terça-feira, outubro 31, 2006

 

A dislexia do Governo de Sócrates

O rigor economicista que anima este Governo, nomeadamente em relação à Função Pública, à Saúde e à Educação faz lembrar a estória daquele homem que recebeu de herança um burro. Pretendendo que o animal lhe deixasse de dar tanta despesa, resolveu diminuir para metade a ração que lhe dava. Mas, mesmo assim, não atingia aquele "pacto de estabilidade" que lhe diziam ser necessário para só tirar vantagens do bicho. Foi-lhe, então, diminuindo e diminuindo na alimentação e, quando atingiu o ambicionado "deficit zero", o pobre animal morreu.

A lógica economicista aplicada por este Governo à função pública, aos hospitais, às maternidades, às escolas, aos centros de saúde e, por aí adiante, constitui a forma mais fácil de governar. A sua ideologia é pôr em prática o pragmatismo neo-liberal, lidando apenas com cifrões e não querendo saber do que faz o espírito de vida de um povo.

A vida de um povo exige referências de identidade que levam a falar da “nossa escola”, do “nosso centro de saúde”, da “nossa maternidade”, do “nosso posto da GNR” e por aí adiante. São estas referências de pertença que promovem a segurança, fazem a coesão social e estimulam a auto-estima que dá sentido e significado a uma vida colectiva.

É que uma nação não é um mero somatório de indivíduos entregues à sua própria vontade, mas uma forma de viver, com a sua própria história, o seu mundo simbólico e as mediações que vão integrando as vontades individuais num desígnio colectivo. É preciso ter tudo isto em conta para contextualizar a economia.


Pôr fim às mediações que promovem a coesão social de uma nação, em nome de critérios meramente economicistas, é cavar o vazio, a desintegração social e, com isso, criar um profundo sentimento de frustração, insegurança e precariedade. Não compreender isto é ser verdadeiramente disléxico!

Quando Sócrates e o seu Governo derem conta, sentirão que, perante os portugueses, tiveram a mesma sorte que o burro da nossa fábula.

Depois, o PS esperará mais dez anos para se recompor da dislexia do Governo de Sócrates!

 

Interrupção voluntário da gravidez

"O Acto Sexual É Para Fazer Filhos" - disse ele
Já que o coito
- diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Natália Correia

 













Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!

(Paul Valéry, 1933. Sem título, XVI, 204.
Cadernos - tradução de Augusto de Campos)
_____________

Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/
http://cristalina.multiply.com/

segunda-feira, outubro 30, 2006

 

Uma reflexão sobre a ética aplicada.

O conceito “Ética Aplicada” surgiu nos anos 60 do séc. XX, por analogia com outras disciplinas, como a física aplicada, a sociologia aplicada, etc. e pretendeu, sobretudo, dar uma resposta às incertezas relativamente ao futuro das próximas gerações humanas provocadas pelo desenvolvimento tecnocientífico.

Os desastres ecológicos, a manipulação genética, a energia nuclear, etc., criaram preocupações relativamente à perversão das características únicas e essenciais do homem e relativamente aos efeitos remotos, cumulativos e irreversíveis da intervenção tecnológica sobre a natureza.

Além disso, depois da queda do muro de Berlim (1989), acelera-se o fenómeno da globalização, com os novos problemas económicos, políticos, sociais e culturais. Mudou a natureza do capital: apareceram os fluxos financeiros internacionais, com as multinacionais. Mudou a natureza do trabalho-- antes, os factores de produção eram três: o Trabalho, o Capital e a Terra; --hoje, a produção tornou-se mais intensiva no conhecimento. O saber constitui um factor de diferenciação no trabalho. O que vale é o trabalho qualificado e criativo. Mudou o papel do Estado. Com a globalização, o Estado tem de saber conciliar o nacional e o internacional e criar condições estruturais de competitividade em escala global.

A moral tradicional (normativa), fundada na consciência individual, revela-se totalmente incapaz de responder aos problemas de um novo mundo e de uma nova sociedade. É preciso uma moral que parta dum conceito de responsabilidade solidária.

Vivemos num “novo mundo”: a aldeia global

Nesta aldeia global o que mais conta é a informação e conhecimento.

Vivemos numa “nova sociedade”: a sociedade do conhecimento”

O conhecimento exige capacidade de organizar a informação. E isso exige capacidade de dar á informação um valor, traçar-lhe um sentido e uma finalidade.

É preciso uma ética que, sem abandonar as convicções, seja capaz de responder às seguintes questões: Para que serve a informação? Qual o sentido de tanta informação? Como poderemos utilizar a informação? Quais são os nossos deveres para com as novas gerações?

O paradigma ético tradicional baseava-se numa concepção do mundo que dominou a cultura tradicional. As ciências da vida (homem, animal, vegetal e, até, mineral) tiveram um progresso vertiginoso sem terem em conta as ciências do homem (antropologia, sociologia, filosofia). Este progresso transformou-se numa perigosa ameaça à própria sobrevivência do homem e da natureza.

É preciso criar uma ética que conjugue o saber científico com o saber antropológico e cultural, que se harmonize com a globalização e a sociedade do conhecimento.

A ética aplicada procura harmonizar-se com um mundo da complementaridade, supondo uma razão comunicativa e solidária. Parte da realidade (é indutiva) e serve-se de princípios para avaliar as consequências das ideias que orientam a intervenção na realidade.


Tais princípios resumem-se a quatro:

1º princípio da autonomia (PA): «Não faças a outrem (pessoa ou grupo) aquilo que ele não faria a si mesmo, e faz-lhe aquilo que te prometeste a fazer-lhe de acordo com ele.»

2º Princípio da não-maleficência (PnM): «Na ignorância das reais consequências da nossa acção devemos ser cautelosos, de modo a que se não cause a terceiros maleficências que podem ser evitadas».

3º Princípio da beneficência (PB): «Faz aos outros o que é bom para eles».

4º Princípio da justiça (PJ) «Os iguais devem ser tratados de igual forma e os diferentes de forma diferente».

A ética aplicada apela ao diálogo: a gravidade dos problemas da tecnociência (imprevisibilidade das consequências da capacidade da técnica científica) tornou as questões da aplicação da técnica científica em questões de cidadania.

Três exigências orientam a ética aplicada:

1.-exige-se que a opinião pública manifeste sua posição.

2.-exige-se que os interesses particulares de cada grupo social se subordinem aos interesses colectivos.

3.- Exige-se que os objectivos económicos, sociais, culturais e políticos sejam articulados entre si e com o princípio de um progresso orientado pelo respeito da solidariedade antropocósmica.

Este é, pelo menos, o meu entender da ética aplicada.


 

A vitória de Lula.

Lula voltou a ganhar as eleições no Brasil.

Insistiu na esperança de “resgatar a enorme dívida social” do país para com os mais pobres; e a sua vitória terá necessariamente que ver com o seu “combate em favor dos deserdados, dos excluídos, dos humilhados e dos ofendidos".

De facto, um bom governo não é o que maximiza a felicidade dos que são mais felizes, mas o que diminui o sofrimento dos que mais sofrem. Foi essa promessa que pesou num país com 55 milhões de pobres, entre os quais 22 milhões a viverem com 66 reais por mês (20 euros, aproximadamente),

O grande objectivo de Lula é “no final do mandato, todos os brasileiros poderem comer três vezes por dia”.

Oxalá que quem nos governa saiba tirar da vitória de Lula as devidas ilações.

 

Ilusões socráticas ou a arte da retórica.

O Secretário-geral do PS e também Primeiro-ministro, José Sócrates, considera os 97,2% de votos na sua reeleição, um “sinal claro” de apoio ao Governo. E dá a entender que esse resultado poderia não ser alcançado, se os militantes não apoiassem as políticas do seu governo e o partido «não estivesse consciente das suas responsabilidades para com o País».

Não sabemos se José Sócrates está iludido ou recorre a um jogo retórico para iludir os portugueses.

Quem conhece o PS (e a amostra do partido revela-se nas estruturas locais) sabe perfeitamente que, havendo um único candidato a secretário-geral, o resultado eleitoral não podia ser outro. Se houvesse mais do que um candidato, naturalmente uma fatia grande dos eleitores corria para outras candidaturas na esperança de que o método dont lhes desse um lugar ambicionado numa qualquer estrutura da organização do partido. È isso o que vai acontecer com a moção de Helena Roseta e José Leitão no congresso. Terão, à partida, a garantia de cerca de 25% de apoio.

Dizer que «o PS é um partido atento, vivo e mobilizado para a sua intervenção cívica” é um jogo de ilusão retórica que não convence ninguém.


Onde é que o PS tem militantes ou dirigentes locais ou distritais empenhados em causas sociais ou inseridos em movimentos socioprofissionais ou culturais?!...

Haverá naturalmente, excepções, mas eu não as conheço. Os dirigentes locais que conheço vestem bem(estilo grande chefe), são assertivos em tudo o que dizem (mesmo que não saibam do que falam), mas nunca os vi empenhados em nenhuma causa social, a menos que se chame causa social o “jogo aparelhista” de inscrever no partido os amigos e arrebanhá-los para as mesas eleitorais.

Na luta cívica que travei no Marco, contra a prepotência e os desmandos de Avelino Ferreira Torres conheci dirigentes locais do PS que estavam do lado do Avelino e não no lado das causas que defendi. Até fizeram com Avelino um regulamento que impediu a Associação que dirigia de utilizar o auditório municipal e, assim, dificultar o debate sobre questões relativas ao Concelho. Nos sindicatos encontram-se militantes de base dos partidos, mas nunca lá vi dirigentes de estruturas locais.

Os partidos do bloco central são grupos de interesses, sem alma nem convicções. Para quebrar silêncios ou unanimismos, acenem com um lugarzito e verão como os unanimismos desaparecem. É esta a cultura no interior dos partidos. Por isso, um partido, hoje, assemelha-se mais com uma rua de má fama do que com uma bandeira ideológica. Pensar o contrário é puro logro.

Não vale a pena ter ilusões!

O apoio a Sócrates de 97,2% dos militantes do PS representa zero. ZERO!!!!

domingo, outubro 29, 2006

 

Comunicado / convite

Exmos. Senhores,

O movimento “Pelo Porto - Juntos no Rivoli” representa um grupo de cidadãos que tem vindo a demonstrar publicamente a sua preocupação com a vontade do executivo camarário em privatizar a gestão do Rivoli–Teatro Municipal. Significativa, ao longo de todo o processo, é a falta de discussão pública dos objectivos da Câmara e qual o modelo que pretende impor à cidade. E é dessa discussão que o”Pelo Porto – Juntos” no Rivoli não abdica.

O documento intitulado “LINHAS DE ORIENTAÇÃO DO MODELO DE FUNCIONAMENTO DO TEATRO MUNICIPAL RIVOLI”, que serviria para balizar as candidaturas apresentadas, configura-se afinal como um leilão do Teatro Municipal pela melhor oferta. De acordo com o que consta do ponto 24 do documento, a Câmara Municipal aceita que os candidatos possam “contrapor outras condições à exploração, desde que devidamente quantificadas em dinheiro, e que sejam manifestamente mais vantajosas para a CMP”. A Câmara deixa assim em aberto aos privados, e ao contrário do que prometeu, a possibilidade de gestão do Rivoli “ao gosto do freguês”.

Porque se trata de uma decisão da Câmara Municipal do Porto, não sufragada no programa eleitoral da actual maioria, que altera radicalmente a vida de um património da cidade, impõe-se uma discussão pública que permita aos cidadãos do Porto perceberem que futuro pretende a Câmara para o Rivoli, quais as propostas que se apresentaram ao concurso proposto e se esta será a única solução para a resolução da crise a que o actual presidente da Câmara deixou chegar o Rivoli -Teatro Municipal.

Esta poderá ser uma oportunidade irrepetível de lançar uma reflexão profunda sobre o serviço público na área cultural, quais as suas obrigações e limites.

O debate, aberto a todo o publico, terá lugar na segunda-feira, 30 de Outubro, pelas 21h30 no Teatro Helena Sá e Costa na cidade do Porto. Para este debate foram convidados os concorrentes, representantes dos diversos partidos com assento na Assembleia Municipal do Porto, a própria Câmara, antigos vereadores da Cultura da Câmara Municipal do Porto e diversas personalidades do meio cultural. Estão já confirmadas as presenças do jornalista Amílcar Correia como moderador, do crítico Augusto M. Seabra, de José Luís Ferreira, director do Ponti, de José Bastos (Teatro Municipal de Guimarães) e de Paulo Brandão (Teatro Municipal de Braga).

Foram convidados, também, os cinco candidatos à gestão do Rivoli - estando já confirmada a presença da Plateia - e todos os partidos com assento na Assembleia Municipal, confirmando-se as presenças de João Teixeira Lopes (BE), Rui Sá (PCP), Miguel Von Haffe e Pedro Bacelar (PS) e de um representante do CDS. O Partido Social-Democrata informou não estar interessado em participar no debate. O Presidente da Câmara, Dr. Rui Rio, foi também convidado a estar presente ou a indicar alguém para o representar, não tendo ainda o movimento obtido uma resposta.

Ficamos disponíveis para qualquer esclarecimento sobre este debate através do e-mail: juntosnorivoli@gmail.pt ou pelo telefone 919 621 944 (Ricardo Alves) ou 966 516 566 (Carla Miranda).

Agradecendo a melhor divulgação

Pelo Porto Juntos No Rivoli.

PELO PORTO JUNTOS NO RIVOLI
APARTADO 4136
4000-101 Porto
juntosnorivoli@gmail.com


Porto, 28 de Outubro de 2006

sábado, outubro 28, 2006

 

Ética da comunicação

Texto 15

Karl-Otto Apel, Jurgen Habermas e Wittgenstein substituem a relação indivíduo-consciência pela relação comunidade-diálogo.

Toda a acção comunicativa torna-se, então, na expressão de uma inter-subjectividade numa comunidade de diálogo. E, neste sentido, o projecto de vida de cada um de nós só será autêntico se for aberto e argumentativo.

Não podemos tratar os outros como objectos e instrumentalizar a relação que temos com eles. A felicidade (fim último do ser humano) e a justiça (princípio organizador da vida em sociedade) não são o resultado de improvisações ou de dogmatismos: temos de estar abertos a pontos de vista diferentes por forma a encontrar o melhor caminho para viver em sociedade.

A ética da comunicação pressupõe: que o falante possua um ethos (cartácter), a mensagem se subordine a um logos e o ouvinte desenvolva um pathos (sentimento) harmonizado com o ethos.

Isso só é possível, se pelo uso de argumentos racionais estarmos disponíveis para convencer o outro ou deixar-nos convencer por ele e assim instaurarmos, ao nível da comunidade de diálogo, os valores da verdade, da justiça, da solidariedade e da responsabilidade.


Toda a argumentação deve pautar-se:
por amor à verdade (procurando que o conteúdo do que digo seja verdadeiro e que os outros acreditem),
por dever de sinceridade (só devo falar do que eu próprio acredito),
por dever de justeza (devo escolher uma enunciação que se harmonize com os princípios da imparcialidade por forma a que outro aceite aquilo que lhe dizemos sem receios de se sentir manipulado).
o que eu digo deve ter um sentido (toda a discussão deve constituir uma partilha de pontos de vista, com a intenção sincera de respeitar a livre adesão ou rejeição de pontos de vista contrários.)

Segundo Wittgenstein a comunicação deve obedecer ás seguintes condições:

1º Condições lógico - semânticas:

A nenhum falante é licito contradizer-se


1.1Todo o falante que aplicar um predicado “F” a um objecto “a” tem que estar disposto a aplicar “F” a qualquer outro objecto que se assemelhe a “a” sob todos os aspectos.
1.2Não é lícito aos diferentes falantes usar a mesma expressão em sentidos diferentes.

2.Condições pragmáticas da comunicação.

2.1A todo o falante só é licito afirmar aquilo em que ele próprio acredita.
2.2Quem atacar um enunciado ou norma que não for objecto da discussão tem que indicar uma razão para isso.

3.Regras do discurso argumentativo.

3.1É lícito a todo o sujeito, capaz de falar e agir, participar no discurso.
3.2É lícito a qualquer um problematizar qualquer asserção
3.3É lícito a qualquer um introduzir qualquer asserção no discurso.
3.4É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes, desejos e necessidades.
3.5Não é lícito impedir algum falante por uma coerção exercida dentro ou fora do discurso, valendo-se dos seus direitos estabelecidos em 3.1. e 3.2.


Wittgenstein. In: Tractatus Logico-filosófico (Fundação Calouste Gulbenkian)

sexta-feira, outubro 27, 2006

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 12

A consciência do absurdo

"Os deuses haviam condenado Sisifo a rodar uma rocha até ao cimo de uma montanha e uma vez atingido o cimo, a rocha regressava pelo seu próprio peso ao sopé da montanha, obrigando Sisifo a recomeçar o seu trabalho, sem cessar.
Haviam pensado (os deuses), com algum fundamento, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. (...) Se o mito é trágico é, porque o homem, seu protagonista, tem consciência de que a esperança de atingir o propósito do seu trabalho é frustrada. Muitos profissionais do nosso tempo trabalham nas mesmas condições e o seu destino não é menos absurdo. Mas esta situação só é trágica nos momentos em que se tem consciência dela”. (texto adaptado)


A Camus. In: El mito de Sisifo, Losada, Hay ed. En Alianza. 1970, pp93-95.

Texto 13


O bom profissional

"O bom profissional é aquele que sabe trabalhar, aquele que não se rege por meros critérios de eficácia, que se não converte em peça da máquina. O exercício sábio da profissão leva consigo criatividade, mas exige um âmbito livre de realização e, portanto, responsabilidade.
A profissão é precisamente o modo como na sociedade actual se articula a participação das pessoas concretas. Vivemos numa sociedade profissionalista. Mas, muitas vezes, a profissão rege-se exclusivamente por critérios pragmáticos de eficácia, e o homem concreto transforma-se numa peça da grande máquina. Sublinhar o factor de criatividade que toda a profissão leva consigo, equivale a destacar o seu carácter livre e responsável. Uma boa preparação profissional - um estudo de qualidade - não será, portanto, um mero adestramento na aquisição de destrezas estereotipadas, mas deverá pôr a imaginação criadora e a capacidade de inovação. (...)
A palavra «profissão» evoca a capacidade de dar fé pública, de testemunhar: professa-se um modo estável de vida, manifestam-se umas capacidades de serviço dignas de confiança. É como que o rosto - persona - com que aparecemos em sociedade. Mas, se a profissão perde a sua inserção vital, converte-se numa máscara suscitadora de suspeitas acerca dos interesses que realmente esconde. (...)
O trabalho humano não tem só uma dimensão instrumental, de transformação das coisas materiais. Este é o resultado objectivo, que tem de ser iluminado a partir da sua radicação subjectiva. Antes de ser produção exterior, poesis, o trabalho é praxis: conhecimento interior do que se faz e decisão acerca do que se pretende.
A produção objectiva pressupõe a acção subjectiva. Este primado da dimensão subjectiva do trabalho sobre a sua dimensão objectiva deve traduzir-se na precedência valorativa da acção produtiva sobre os meios e resultados da produção. De tal maneira que saber trabalhar antecede a materialidade do próprio trabalho.
Saber e trabalho têm, portanto, uma intrínseca conexão. Saber trabalhar é conhecer o bom uso dos meios, em vista de fins preferidos. Repare-se que o próprio ser dos meios, enquanto tal, provém da sua inserção na acção humana"


Maria José Cantista. In. Racionalismo em crise. Livraria Civilização Editora, Porto,1984 pp128-133

Texto 14


O homem light

“As grandes transformações sofridas pela sociedade nos últimos anos são, ao princípio contempladas com surpresa, logo a seguir com uma progressiva indiferença ou, noutros casos, como necessidade de aceitar o inevitável. (...)
Das entranhas desta realidade sócio-cultural vai surgindo um novo homem light, produto do seu tempo. Se lhe aplicamos a luneta observadora descobrimos que dele fazem parte as características seguintes: pensamento débil, convicções sem firmeza, apatia nos seus compromissos, indiferença sui generis feita de curiosidade e relativismo ao mesmo tempo; sua ideologia é o pragmatismo, sua norma de conduta, o que todos fazem, o que se tolera, o que está na moda; sua ética fundamenta-se na estatística, substituta da consciência; sua moral, repleta de neutralidade, falta de compromisso e subjectividade, é relegada para a intimidade, sem se atrever a vir a público”


Henrique Rojas. In: O Homem light, Gráfica de Coimbra. p.9

 
Texto 9.

O homem inventa os valores

"(...) você recebe com uma das mãos o que dá com a outra; quer dizer, no fundo os valores não são sérios, visto que você os escolhe. A isto eu respondo, que muito me aborrece que seja assim; mas se suprimi o Deus Pai, é bem necessário que alguém invente os valores. É necessário encarar as coisas como são. Além de que dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de viverdes, a vida não é nada; mas de vós depende dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão esse sentido que escolherdes. Por isso vedes que há possibilidade de criar uma comunidade humana.

Jean-Paul Sarte/Vergílio Ferreira, O existencialismo é um humanismo, Editorial Presença, Lisboa, pp265-266


Texto 10.


Valorar é realizar a humanidade

"Hoje nenhum filósofo minimamente lúcido diria que a lei moral está inscrita na razão ou no coração de cada um, mas antes que está escrita na tradição, na história ou na linguagem. O que não equivale a dizer que em ética vale tudo ou que tudo é relativo. Nem tudo são desacordos em ética: há valores básicos, escolhidos pela declarações de direitos humanos, valores que são universais só porque são abstractos. Ou porque são formais e carecem de conteúdos mais precisos. A autonomia passa pela aceitação do formalismo moral e consiste, exactamente, na vontade de o manter. Procurar ser autónomo, numa tal perspectiva, não é recusar o marco de valores absolutos: a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a paz. É aceitar esses valores - fora dos quais não seria capaz de dizer o que é a ética - e propor-se seriamente realizá-los. Como? Procurando ver, na medida das possibilidades e responsabilidades de cada um, como se deve actuar, aqui e agora, de modo a contribuir para que o mundo em que vivemos seja mais humano."

Victoria Camps. In: Paradoxos do individualismo, Relógio D'Água.LIsboa 1996.p.27

Texto 11.

A problematização dos valores

"Os valores podem, de facto ser questionados (1) se a sua satisfação tiver consequências, presentes ou futuras, para outros valores, (2) se forem valores adquiridos «por uma determinada época», ou se instrumentos para alcançar outros valores mais definitivos. Mas ainda que haja um consenso alargado sobre as regras do raciocínio que se aplicam a questões concretas, a experiência de séculos provou ser muito mais difícil atingir um consenso em relação às regras que devem nortear o raciocínio sobre valores conexos. Só a consciência individual pode decidir"

Herbert Simon, In. A razão nas coisas humanas, Gradiva Lisboa. pp.20-21.


quinta-feira, outubro 26, 2006

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 7

Ética aristocrática e ética meritocrática

“A oposição capital que separa a ética aristocrática dos antigos da ética meritocrática dos republicanos modernos poder-se-ia caracterizar deste modo: nos Antigos, a virtude, entendida como excelência no seu género, não se opõe à natureza mas, pelo contrário, ela não é mais do que uma actualização conseguida das disposições naturais de um ser, uma passagem, como diz Aristóteles, do poder ao acto. Ao invés, para os filósofos da liberdade e nomeadamente para Kant, que retoma a antropologia de Rousseau, mas também, por exemplo, para os republicanos franceses, a virtude aparece, exactamente ao contrário, uma luta da liberdade contra a naturalidade (animalidade) em nós. É, portanto, na ordem do pensamento que se assiste a uma verdadeira revolução face às visões éticas da Antiguidade. Nesta nova perspectiva, a natureza é mais maléfica que benéfica, porquanto as nossas inclinações "naturais", as "propensões espontâneas e "sensíveis", vão todas, ou quase, no sentido do egoísmo"

Lue Ferry e Jean-Didier Vincent. In: O que é o homem?. Edições ASA. 2003. p. 40


Texto 8


Ética da convicção e ética da responsabilidade

“Temos que ver com clareza que qualquer acção eticamente orientada pode ajustar-se a duas máximas, fundamentalmente diferentes entre si e irremediavelmente opostas: pode orientar-se de acordo com a «ética da convicção» ou de acordo com a «ética da responsabilidade». Não quer isto dizer que a ética de convicção seja idêntica à falta de responsabilidade, ou a ética da responsabilidade à falta de convicção. Não é nada disso em absoluto. Mas há realmente uma diferença abissal entre agir segundo as máximas de uma ética da convicção, tal como a que ordena (religiosamente falando) «o cristão age bem e deixa o resultado à vontade de deus», ou segundo uma máxima da ética da responsabilidade, como a que manda ter em conta as consequências previsíveis da própria acção .(...) Quando as consequências de uma acção realizada em conformidade com uma ética da convicção são más, quem as executou não se sente responsável por elas e, pelo contrário, responsabiliza o mundo, a estupidez dos homens ou a vontade de Deus que os fez assim. Quem, pelo contrário, actua em conformidade com uma ética da responsabilidade, toma em linha de conta as possíveis consequências da sua acção. (...) Deste ponto de vista a ética da responsabilidade e a ética da convicção não são termos absolutamente opostos, mas sim elementos complementares que devem concorrer para formar o homem autêntico, o homem que pode ter «vocação política».

Max Weber. in: O político e o cientista. Editorial Presença., LdaLisboa 1979 pp 85 - 97

quarta-feira, outubro 25, 2006

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 5

Transcendência dos valores.


"Todas as proposições têm o mesmo valor.
O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor - e se existisse não tinha qualquer valor.
Se existe um valor que tenha valor então tem que estar fora do que acontece e do que é o que é. Porque tudo o que acontece e tudo o que é o é por acaso.
Não pode estar no mundo o que o tornaria em não acaso, porque senão seria de novo acaso.
Tem que estar fora do mundo."

Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Matemático,Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987. p.138

Texto 6.

Os valores são criações humanas

“Os valores são estratégias mediante as quais orientamos a nossa conduta face aos problemas insolúveis que são inerentes às relações humanas; os nossos valores operam numa fronteira finíssima que separa os desejos solitários e as necessidades colectivas.”
(...) o que faz a máquina biológica do homem ser tão poderosa é a capacidade de modificar os seus actos através da imaginação: torna-o capaz de simbolizar, de projectar-se imaginativamente nas consequências dos seus actos, de conceptualizar os seus planos e de avaliar estes em relação a um sistema de valores. Somos os animais que criaram os valores com o objectivo de elucidar a sua própria conduta e que aprenderam as consequências dessa conduta, as orientam de novo para o futuro”.


J. Bronowski, in: A responsabilidade do cientista e outros escritos. Ed. Publicações D. Quixote. Lisboa

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 4

Ética autoritária e ética humanista

“Se não abdicarmos, como é ocaso do relativismo ético, da procura de normas éticas objectivamente válidas, de que critério nos serviremos para a sua formulação? A natureza do critério depende do tipo de sistema ético cujas normas tentamos formular. Os critérios de uma ética humanista são necessariamente diversos dos de uma ética autoritária.
No âmbito da ética autoritária, é a autoridade quem estatui o que convém ao homem e prescreve as leis e normas do seu comportamento; no domínio de uma ética humanista, o homem é, ao mesmo tempo, o legislador e o súbdito, a fonte formal ou agente regulador, e o sujeito do conteúdo das normas.(...)
A ética humanista é antropocêntrica; não, certamente, no sentido de que o homem seja o centro do universo, mas no sentido de que os seus juízos de valor, como qualquer outro juízo ou a própria percepção, encontram o seu fundamento na especificidade da existência humana e só ganham sentido quando são referidos a esta mesma existência; o homem é «a medida de todas as coisas». A posição humanista é a de que nada existe mais elevado e mais digno do que a existência humana”


E.Frommm. Ética e Psicanálise. Ed. Minotauro, Lisboa.pp 24-30

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 3

Universalidade e relatividade dos valores.

Podemos considerar o valor uma medida com que avaliamos acções ou formulamos juízos.

Há quem defenda que esta “medida” é fixa, definitiva e fechada. O que está de harmonia com essa medida é correcto; o que não está de harmonia com essa medida é incorrecto. Situam-se nesta perspectiva as teses dogmáticas, essencialistas e objectivistas do valor. Os seus defensores consideram que os valores existem a priori, não se fundamentam no homem, são transcendentais, valem por si mesmos de forma apodíctica (de um modo necessário e incondicional). Platão foi o primeiro a desenvolver a teoria essencialista dos valores. Nos finais do séc. XIX a fenomenologia dos valores de Max Scheler (1875-1928) defendeu que os valores são à priori e considerou que podem ser captados por intuição emocional. De uma forma geral, esta concepção dos valores aproxima-se das éticas da autoridade ou das convicções dogmáticas.

Surge, entretanto, as seguintes questões: poderemos orientar a nossa acção por valores rígidos ou convicções dogmáticas sem termos em conta a avaliação das consequências?!... Nas situações dilemáticas, como resolver o problema da orientação da acção?!...Quem aplica “mecanicamente” regras e valores previamente definidos, sem ter em conta as situações, outros pontos de vista, o contexto no qual se deve determinar a acção será um homem justo?!.... Convertendo os valores em absolutos, poderemos distinguir a acção justa (acção realizada de acordo com os modelos ou normas) do homem justo (o que age de harmonia com a sua consciência livre e responsável)?!...

Num ponto de vista oposto, surge a tese de que os valores configuram uma medida flexível”. O correcto ou incorrecto não está definido uma vez por todas: é preciso ter em conta o contexto da situação. Coloca a moralidade no sujeito e define um Sujeito Moral (o que age de harmonia com a sua consciência). Corresponde ás éticas humanistas e tem relação com a tese do subjectivismo ou relativismo dos valores: os valores não têm uma estrutura própria, nem existem a priori: são criações humanas ou convenções determinadas por contextos culturais. Os valores mudam, porque é o homem que os cria (subjectivismo) e é ele a medida de todos os valores (relativismo-- isto é, do que convém ser valor ou não convém; consequencialismo--os valores avaliam-se pelas consequências que provocam na orientação da acção) .

Camões, num dos seus poemas, já tinha referido:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.”

De uma forma geral, situam-se nesta perspectiva as seguintes correntes: sociologismo axiológico de Emile Durkheim (1858-1917), o culturalismo, o psicologismo moral de Sigmund Freud (1856-1939), o pragmatismo (o critério de valor é o que é útil) e o perspectivismo. O existencialismo (o homem é liberdade e tem portanto de escolher, mesmo que não escolha, e a escolha envolve sempre uma razão de bem justamente porque escolhi). Escolher é, assim, um acto de valorar. Estas correntes vão provocar o aparecimento da ética aplicada.

O relativismo axiológico levanta, entretanto, as seguintes questões:
Como justificar a criação de valores e submeter-se-lhes?
Em que valores poderemos apoiar uma definição de progresso civilizacional?
Podemos renunciar a determinados valores, como o respeito pela dignidade humana, independentemente das culturas ou circunstâncias?
Em virtude de que princípio é condenável o genocídio?

De facto, sempre a humanidade, em todas as culturas e em todas as épocas, aspirou à “justiça”, ao “bem” e ao “belo” e isso significa que há um mínimo de valores universais, muito embora sejam formulados de diferentes maneiras. Tais valores transcendem o homem individual e constituem princípios universais que fundamentam o respeito pela dignidade humana, muito embora esta não tenha sido entendida da mesma maneira em todas as épocas, nem extensiva a todo o ser humano ao longo da história da humanidade.

Actualmente, a defesa da dignidade humana vai acompanhando os problemas das dinâmicas tecnocientíficas que transformam as sociedades. Não admira, por isso, que surjam novos valores a procurar dar resposta para as questões que se prendem com a vida, o ambiente, etc. É assim que surgem os valores ligados, por exemplo, à bio-ética, à eco-ética, à relação entre privado e público, às questões da organização das empresas, à cibernética, aos problemas da liberdade, da tolerância e da justiça.

 

Dois pesos e duas medidas

Os vereadores do PS e da CDU propuseram, ontem, na reunião pública da Câmara do Porto, a retirada da queixa-crime que o Executivo apresentou no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) contra os 40 elementos que ocuparam o Teatro Rivoli durante quatro dias da semana passada

A maioria PSD/CDS-PP chumbou a proposta, sem qualquer justificação: apenas com a força do somatório de votos.

Entretanto, refere o JN, Rui Sá, da CDU, para quem "a decisão deveria ser política e não jurídica", denunciou que "Rui Rio tem dois pesos e duas medidas", recordando que a manifestação foi, em tudo, semelhante ao protesto dos populares e comerciantes que impediram a circulação do trânsito no Museu Soares dos Reis para exigir que o Ministério da Cultura autorizasse a construção do Túnel de Ceuta; e ao protesto dos trabalhadores dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento que travaram o acesso às oficinas municipais. "No primeiro caso, até os adjuntos do presidente estiveram presentes na manifestação; no segundo, vimos Rui Rio a falar aos funcionários em cima de um camião. Em nenhuma das situações houve queixa-crime".

A lei, o direito, só é invocada, quando serve os interesses políticos do Presidente.
Tornou-se, para o Presidente, num instrumento político.

Esperamos que desta forma de gerir o interesse público os portuenses tirem conclusões.

 

"Que valores para este Tempo?"

Texto 2.

Não há factos sem valores

Nem todas as culturas fizeram a distinção entre o homem e a natureza. Na Índia, por exemplo, ao contrário do pensamento ocidental, sempre se insistiu na unidade "homem-natureza".

Hoje, os problemas ecológicos tornaram evidente que o homem não vive separado da natureza. Edgar Morin, a propósito escreve: «o homem é um ser cultural por natureza, por ser um ser natural por cultura
[1]».

Não podemos dizer que os valores, embora independentes das coisas, não façam parte das próprias coisas, por três razões:

1ª – Os valores são referências para a interpretação dos factos. Os juízos de facto são feitos através da linguagem natural. E a linguagem em que aprendemos a dar nomes às coisas traduz um modo de pensar, uma cultura, um modo de ver o mundo. Não há cultura, nem modo de ver o mundo sem referências ao que chamamos valores. Com outro modo de pensar ou outra cultura, naturalmente teríamos outras referências e poderíamos interpretar os factos de outra forma. Por isso, não há factos sem interpretações e estas são sempre orientadas pelos valores da nossa cultura e do nosso modo de ver o mudo.

2ª - Sem valores não há factos. É esta a opinião de Putnam: “Sem os valores cognitivos de coerência, simplicidade e eficácia instrumental não temos nem mundo nem «factos», nem mesmo factos acerca do que é relativo ao quê, porque esses estão no mesmo barco que todos os outros factos. (...) Toda a actividade que se eleva acima do hábito e do mero seguir da inclinação ou obsessão, é guiada pela nossa ideia de bem.”
[2]

3º.- Sem valores não há ciência. A tese positivista de que o mundo existe independentemente de nós, ou seja, de que os factos são desprovidos de valorações está abandonada. Vejamos o que nos diz Feyerabend: “Claro que separar factos de valores não passa de um artifício. Os factos são constituídos por procedimentos que encerram valores; estes mudam consoante o impacto dos factos” (...) As ciências de hoje são empresas comerciais norteadas por princípios comerciais. A investigação em grandes institutos não se guia pela Verdade e pela Razão, mas pela moda mais recompensante, e os grandes cérebros de hoje cada vez mais se viram para onde está o dinheiro.” 3

1.Edgar Morin in: O Paradigma perdido. Publicações Europa América. p.86.
2.H. Putnam, in. Razão, Verdade e História. Publicações D. Quixote, Lisboa
3. Paul Feyerabend, in. Adeus à razão. Edições 70. p.122/4

terça-feira, outubro 24, 2006

 

Uma exposição a não perder

Com a orientação da Prof. Dr.ª Maria José Moutinho, a Faculdade de Letras do Porto e a Biblioteca Pública Municipal do Porto levaram a efeito uma exposição iconográfica, subordinada ao tema “As Pequenas Coisas: Recordações de Mulheres: 1910 – 1950”, que está patente na Biblioteca Municipal.

Este evento, pretende chamar a atenção para a importância de certas fontes para a História das Mulheres/História do Género e para a necessidade de preservação dessa parte do património das famílias, feito de “ pequenas coisas ” que são, tão frequentemente, os objectos – cartas, diários, fotografias, trabalhos de agulha, figurinos, etc - a que as mulheres confiaram muitas das suas recordações ao longo da vida.

Entrada livre de 02 de Outubro a 15 de Novembro.


Dias Úteis:14h00 – 17h30

 

Valeu a pena!

Noticia o JN:

"A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, recebeu, ontem, às 16 horas, o grupo de ex-ocupantes do Teatro Rivoli, no Porto, tendo-se comprometido a "produzir documentação sobre a definição de serviço público e a estabelecer regras claras para a Rede de Teatros Municipais financiados com dinheiros públicos ".

"A ministra mostrou-se empenhada em definir o conceito de serviço público, reconhecendo que não faz sentido financiar uma rede de teatros para depois apresentar, por exemplo, música pimba".

Naturalmente, se estes cidadãos ficassem sentados no sofá a debaterem uma linha justa para o Rivoli tudo ficaria na mesma. Mas eles preferiram a acção, coisa que os da “linha justa” historicamente deploram.

 

"Que valores para este Tempo?"

Com a devida vénia, retiro do incursões (http://www.incursoes.blogspot.com/) o anuncio de uma conferência na Gulbenkian sobre a crise geral de sentido na sociedade contemporânea. “Que Valores para este Tempo?”
Pensei que poderia contribuir para uma reflexão do tema com alguns textos. Não pretendo exercer qualquer acção apologética. O que me interessa é provocar um debate, com textos muito diferenciados, sobre esta temática. Espero os Vossos comentários. Começo com um texto sobre a própria crise de valores do nosso tempo, também designado tempo “pós-moderno”.

Texto 1


A "era do vazio"

"A modernidade, o futuro, já não entusiasmam ninguém. Será em proveito de novos valores? Melhor seria dizer que em proveito de uma personalização e de uma libertação do espaço privado, que arrasta tudo na sua órbita, incluindo os valores transcendentes. O momento pós-moderno é muito mais do que uma moda, revela o processo da indiferença pura na medida em que todos os gostos, todos os comportamentos, podem coabitar sem se excluírem, tudo pode ser escolhido conforme o gosto, tanto o mais operatório como o mais esotérico, tanto o novo como o antigo, a vida simples e ecológica e a vida hiper-sofisticada, num tempo desvitalizado sem referências estáveis, sem coordenadas principais"

G. Lipovetsky. A era do vazio. Ed: Relógio d'água, Lisboa.p39.




 

"inadaptados"

A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do TC diz que as contas de todos os partidos, relativas às últimas eleições legislativas, estão cheias de irregularidades. Da esquerda à direita, todos revelaram insuficiência de mecanismos internos de controlo das acções de campanha e de registo dos respectivos custos.
PS e CDS já justificaram os erros: dizem que ainda não estão «adaptados» às leis que eles próprios criaram.
Será que há nesta gente um pingo de vergonha?!...

 

João

O mar é tão enorme! Que grande é o mar!
Ele é a criança que puxa pela saia
Das praias, pedindo colo e amizade.
Enche as pocinhas que são o deleite dos pequenitos
E tranquiliza os sustos dos grandes.
Congrega. Dialoga. Conversa. Dinamiza.
Só tem um ganhador:
Do apóstolo predilecto tem o nome.
Não deixa o telemóvel por funções alheias à comunicação.
Conhece meio mundo
E põe meio mundo a dialogar.
Mas ninguém é totalmente perfeito:
As promessas…
Há calcanhares de Aquiles que são perdizes!

Laura e Aroso.

Obs. Obrigado, ternurentos amigos.

Desta vez não falto às promessas: já tenho seis perdizes.

 

Em memória de Georges Brassens


Les Passantes
poème de Antoine POL


Chanté: Georges Brassens

Je veux dédier ce poème
A toutes les femmes qu'on aime
Pendant quelques instants secrets
A celles qu'on connaît à peine
Qu'un destin différent entraîne
Et qu'on ne retrouve jamais

A celle qu'on voit apparaître
Une seconde à sa fenêtre
Et qui, preste, s'évanouit
Mais dont la svelte silhouette
Est si gracieuse et fluette
Qu'on en demeure épanoui

A la compagne de voyage
Dont les yeux, charmant paysage
Font paraître court le chemin
Qu'on est seul, peut-être, à comprendre
Et qu'on laisse pourtant descendre
Sans avoir effleuré sa main
A celles qui sont déjà prises
Et qui, vivant des heures grises
Près d'un être trop différent
Vous ont, inutile folie,
Laissé voir la mélancolie
D'un avenir désespérant

Chères images aperçues
Espérances d'un jour déçues
Vous serez dans l'oubli demain
Pour peu que le bonheur survienne
Il est rare qu'on se souvienne
Des épisodes du chemin

Mais si l'on a manqué sa vie
On songe avec un peu d'envie
A tous ces bonheurs entrevus
Aux baisers qu'on n'osa pas prendre
Aux coeurs qui doivent vous attendre
Aux yeux qu'on n'a jamais revus

Alors, aux soirs de lassitude
Tout en peuplant sa solitude
Des fantômes du souvenir
On pleure les lèvres absentes
De toutes ces belles passantes
Que l'on n'a pas su retenir

* * *
Agradeço a Amélia Pais ter-me lembrado que no dia 22 fez anos Georges Brassens.
Só tenho pena de ter deixado passar o dia e não saber colocar a reprodução do disco.

segunda-feira, outubro 23, 2006

 

Origem do sentimento de piedade

Mencius, filósofo chinês do séc. IV aC., contemporâneo dos filósofos gregos, questionado sobre a origem do sentimento de piedade, recorda o seguinte episódio: um dia, quando levavam um boi para o sacrifício, o príncipe deu ordem para libertarem o animal, pois não suportava o ar amedrontado deste. Pediu, então, que o substituíssem por um carneiro e despediu-se dos seus súbditos.

Mencius explica, de seguida, por que é que o príncipe permitiu que matassem o carneiro em vez do boi - o príncipe tinha visto o olhar do boi e não o do carneiro. Esse olhar tinha desencadeado nele uma reacção imediata, enquanto o sacrifício do carneiro (não estando presente) tinha permanecido uma coisa abstracta.

E concluía: em qualquer homem existe uma reacção insuportável ao ver o que ameaça outro. Em contrapartida, somos indiferentes às desgraças que acontecem aos outros, desde que não as vejamos e, assim, não sintamos que possam vir a acontecer-nos.

Talvez esteja aqui a justificação para colocar uma venda no condenado ao fuzilamento.

Sobre o sentimento de piedade Rousseau e Rochefoucauld não tiveram pontos de vista muito diferentes.

Segundo
Rousseau: "A piedade é doce, porque metendo-nos no lugar daqueles que sofrem, sentimo-nos contudo o prazer de não sofrer".

Para Rochefoucauld: "a piedade é um sentimento egoísta".

 

O risco de ser filósofo

«Não sabemos se os contemporâneos dos primeiros filósofos gregos acreditavam verdadeiramente que a Via Láctea era leite espalhado pelo seio de Hera, mas quando Demócrito afirma que não se trata senão de uma concentração de estrelas, a maioria considera isso como uma blasfémia. Quanto a Anaxágoras, que deu como certo ser o sol um aglomerado de pedras, chegou mesmo a ter conflitos com os poderes públicos».

Theodor Oizerman.
In: "Problemas de história da filosofia".
Lisboa. Livros horizonte. p17

Obs: naturalmente, tudo em nome do direito, da lei e da ordem. Os detentores dos poderes públicos nunca acenderam as fogueiras, fuzilaram, criaram os gulags, os campos de concentração ou o desterro por pura arbitrariedade.

sábado, outubro 21, 2006

 

Um momento feliz

Há pequenas coisas que valem, para nós, uma eternidade.
Naturalmente, não há uma directa relação entre causa e efeito, mas saber que o Colégio que sempre adoptou os meus livros, o Colégio Universal, está no ranking dos melhores estabelecimentos de ensino é motivo de uma indisfarçável alegria. E, depois, quando uma aluna, filmada pela SIC, aparece, com o meu último livro “Locke e a carta da tolerância”, isso, ainda, nos faz estar mais contente. E não resisti a dar testemunho disso.
Sejam compreensivos!...
Estou feliz.
Vou, agora, até Moncorvo.

É o vicio da caça que me empurra. Não se pode ser perfeito!

 

Noite Branca

Era uma noite maravilhosa, uma dessas noites que apenas são possíveis quando somos jovens, amigo leitor. O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos? A própria pergunta é pueril, muito pueril, mas oxalá o Senhor, amigo leitor, lha possa inspirar muitas vezes!...Meditando sobre senhores caprichosos e irritados, não pude impedir-me de recordar a minha própria conduta — irrepreensível, aliás — ao longo de todo esse dia.
Logo pela manhã, fora atormentado por um profundo e singular aborrecimento. Subitamente afigurou-se que estava só, abandonado por todos, que toda a gente se afastava de mim. Seria lógico, na verdade, que perguntasse a mim mesmo: mas quem é, afinal, «toda a gente»? Na realidade, embora viva há oito anos em São Petersburgo, quase não consegui estabelecer relações com outras pessoas. Mas que necessidade tenho eu de relações? Conheço já todo São Petersburgo e foi talvez por isso que me pareceu que toda a gente me abandonava, quando todo o São Petersburgo se ergueu e bruscamente partiu para o campo.
Fui tomado pelo receio de me encontrar só e durante três dias inteiros errei pela cidade mergulhado numa profunda melancolia, sem nada compreender do que se passava comigo. Percorri a Perspectiva, fui ao Jardim, errei através do cais, e não vi sequer um dos rostos que encontrava habitualmente nesses mesmos locais, sempre à mesma hora e ao longo de todo o ano. Eles, evidentemente, não me conhecem, mas eu os conheço. Conheço-os intimamente. Estudei as suas fisionomias — sinto-me feliz quando estão alegres e fico acabrunhado quando se velam de tristeza. Estabeleci laços quase de amizade com um velhinho que todos os dias encontro, sempre à mesma hora, na Fontanka. Tem uma expressão muito grave e pensativa e sussurra permanentemente, falando consigo mesmo, agitando a mão esquerda enquanto com a direita segura uma longa e nodosa bengala com um castão de ouro. Ele próprio me reconhece, dedicando-me um cordial interesse. Se, por qualquer eventualidade, eu não aparecesse à hora do costume nesse tal sitio habitual na Fontanka, tenho a certeza de que teria um acesso de melancolia. Assim, sentimos, por vezes, a tentação de nos cumprimentarmos, principalmente, quando estamos ambos de bom humor.

DOSTOIEWSKY
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Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/
http://cristalina.multiply.com/

sexta-feira, outubro 20, 2006

 

A desobediência cívica

“O que é legal nem sempre é legítimo. Acima da lei, há a Constituição. Acima dos regulamentos, há a humanidade.

Se vieres a ser comissária da polícia e receberes um dia ordem de prender, reunir e deportar (sabe-se lá para onde!) os budistas ou os muçulmanos da tua zona, terás o dever de te demitir, ainda que a medida tenha recebido o aval do Conselho de Estado, como aconteceu com as leis racistas de Vichy.

A obediência do republicano não é docilidade.

O mesmo espírito de responsabilidade que o leva a observar as leis pode levá-lo a insurgir-se, sem que os seus princípios mudem uma vírgula que seja.

O cidadão ajuíza de todas as coisas segundo a sua consciência. Tal é a mola da “desobediência cívica”

Regis Debray In. “A República Explicada à Minha Filha”, Celta Editora Lda. Oeiras. P. 46

 

Um caso a exigir internamento

Segundo o jornal "Público" o Parlamento madeirense aprovou na quinta-feira, com os votos da maioria social-democrata, um voto de protesto pelo facto de, alegadamente, o Presidente da República ter nomeado Vital Moreira para coordenar a comissão das comemorações do centenário da instauração do regime republicano em Portugal.

Vejam o que diz Vital Moreira no seu blog. http://www.causa-nossa.blogspot.com/

«O PSD madeirense fez aprovar na assembleia regional da Madeira um protesto contra a minha alegada nomeação pelo Presidente da República para presidir a uma alegada comissão organizadora das comemorações do centenário da República, protesto acompanhado dos habituais insultos pessoais, como é prática naquelas bandas.Trata-se de mais uma atitude atrabiliária dos apaniguados de Jardim, uma verdadeira paranóia persecutória contra os adversários políticos, que só os torna ainda mais indignos dos cargos que exercem. Primeiro, eu não fui nomeado pelo PR, mas sim pelo Governo; segundo, não se trata da comissão que vai organizar as comemorações do centenário da República, mas sim de uma "comissão de projectos", puramente reflexiva e propositiva; terceiro, a nomeação já ocorreu há mais de um ano (devidamente publicada no Diário da República) e a comissão já cumpriu o seu mandato, pelo que já terminou as suas funções. Trata-se portanto de uma condenação retroactiva. Se na Madeira se tratam as coisas públicas com esta seriedade, estamos elucidados...Mas mais importante do que os insultos pessoais (há insultos que honram...), como é que se pode tolerar que uma maioria parlamentar regional instrumentalize a assembleia legislativa para protestar contra as nomeações que um órgão de soberania da República faz para cargos de âmbito nacional? Onde está a competência da ALR da Madeira para censurar oficialmente os actos do Presidente ou do governo da República, ainda por cima quando nada têm a ver com a Região? Até quando se vão tolerar os abusos de poder no Funchal? Até quando é que Belém e São Bento vão continuar a política de complacência perante as recorrentes aleivosias políticas de A. J. Jardim? Vão consentir que um destes dias ele faça votar um protesto contra a nomeação de embaixadores ou de ministros?É tempo de ouvir um definitivo "basta!" a quem tem o dever de representar e governar a República».
[Publicado por vital moreira]
20.10.06

De facto, estes “deputados ajardinados” precisam urgentemente de tratamento hospitalar. E fica de borla! O tratamento terá de ser superior a 15 dias.

quinta-feira, outubro 19, 2006

 

A era dos pachecos

Pacheco Pereira ocupa, hoje, uma página do “Público” para, com o título «A “Rivolução” dos nossos dias» dizer o que era previsível que dissesse.

Ninguém esperaria que Pacheco defendesse que os “criadores” nunca tiveram com eles as maiorias; que são geralmente marginalizados pelo poder dominante que olha para eles com desconfiança e considera as suas obras ridículas ou sem interesse; que, no entanto, se deve a essas minorias novas formas de inteligibilidade que promovem o pensamento critico e fazem avançar o progresso.

Não se esperaria que Pacheco defendesse que o Rivoli foi pago com dinheiro dos contribuintes e nasceu para servir o interesse público, apoiar as artes do espectáculo que se desenvolvem nas escolas de dança, teatro, cinema e música da cidade do Porto.

Não se esperaria que Pacheco considerasse que sempre houve um divórcio entre a cultura subsidiada e o público, mas que é precisamente por causa desse divórcio que as minorias criadoras culturais devem ser apoiadas.

Não se esperaria que Pacheco defendesse o serviço público que o Rivoli deveria potencializar e muito menos que Rui Rio honrasse esses propósitos acordados na entrega à autarquia dessa sala de espectáculos.

Pacheco disse o que se esperava que dissesse, depois de ele próprio se esquecer que foi minoritário, por exemplo, nas reuniões da Faculdade de Letras (onde estão, hoje, as biomédicas) e isso não o ter impedido de usar o direito a manifestar-se.

O que, hoje, para ele conta, são os grandes auditórios, a rentabilidade mercantilista, a sua “quadratura do ciclo” paga a preço de oiro.

Os outros, tal como no filme, são “porcos, maus e sujos”.

Pacheco no seu blá…blá…diz que há uma «falência do pensamento critico», mas não aceita que a diferença que faz a crítica se construa em confronto com a prática dominante.


Pacheco usa perfume novayorquino.

Pacheco é outra loiça, tem o paradima dos pachecos dominantes!

Vivemos a era dos pachecos.

 

A questão da gravidez indesejada

Hoje, o parlamento vai debater uma proposta apresentada pelo PS de referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Penso que nenhuma mulher quererá fazer a interrupção da sua gravidez sem motivos fortes e dolorosos. Muitas dessas mulheres (e sempre as mais pobres) são vítimas de abortos mal feitos. É, por isso, inaceitável que as cerca de 20 mil mulheres que, por ano, fazem a interrupção voluntária da gravidez sejam apelidadas, pela lei, de criminosas.

Há quem pretenda reduzir a vida humana à união de 23+23 cromossomas. Mas, os que assim pensam também sabem que uma perspectiva meramente biológica não define um ser humano. São as circunstâncias psicológicas e sociais em que se desenvolvem as potencialidades dos 23+23 cromossomas que irão “fazer” dessa “soma” um ser humano.

Mas essas circunstâncias só se podem manifestar com a formação do sistema nervoso central. É a partir dessa ocasião, a qual se situa por volta das doze semanas, que podemos dizer que, sob o ponto de vista ontológico, emerge a vida biopsicológica que caracteriza o ser humano. E é só nesta altura que o embrião humano tem condições para se adaptar aos estímulos psicológicos que recebe da mãe e, através dela, passa a ter a sua própria história de ligação profunda ao meio social de que depende.

Uma concepção puramente biologista do ser humano alivia muita hipocrisia. Talvez, por isso, os chamados movimentos pró-vida, que contestam a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se esqueçam que o problema do aborto é um problema das condições com que a maternidade se depara.

Nunca, como hoje, houve um desprezo tão grande pela situação de gravidez.

Muitas mulheres são obrigadas a declarar que não engravidam para obter um emprego e muitas outras trabalham em condições desumanas durante a gravidez.

Esses movimentos pró-vida para serem consequentes com o que apregoam deveriam exigir a criminalização do empregador que não respeita o direito á maternidade ou lhe recusa as condições materiais, psicológicas e afectivas que criam as circunstâncias que promovem o desenvolvimento normal do embrião.

Além disso, o problema do aborto não se reduz à mulher: há também um cúmplice. Por que não exigir, segundo a mesma lógica, a responsabilidade penal do cúmplice da gravidez abortada?

A despenalização do aborto dirige-se, sobretudo, para as mulheres mais pobres. As outras têm sempre facilidade de o fazerem de forma discreta e segura.

Estar com as mulheres que não têm condições psicológicas, materiais e sociais para criarem os seus filhos é também contribuir para que as crianças que vêm ao mundo não sejam aquelas que são depois abandonadas à sorte da rua ou colocadas em “armazéns” e depois empurradas para o crime e o vicio.

Não me parece razoável que se queira penalizar o desespero de uma mulher em situação de gravidez indesejada e, ao mesmo tempo, se pretenda lavar as mãos das causas dessa situação.

Convém lembrar, a propósito, um excerto de um poema de Sophia de Mello Breyner:

As pessoas sensíveis não são capazes de matar galinhas, porém são capazes de comer galinhas”.

quarta-feira, outubro 18, 2006

 

A revolta das margens

Fui ao Rivoli manifestar a minha solidariedade aos criadores culturais que o ocupam. Não entendo que uma estrutura requalificada com fundos europeus atribuídos por razões de interesse público possa ser entregue a privados para obterem lucro com essa requalificação.

O Rivoli representa a concretização de um sonho da Cidade do Porto: estar dotada de um equipamento polivalente, destinado a acolher as artes do teatro, da música, da dança e do cinema, podendo, como tem acontecido, ser também utilizado para fóruns de debates, conferências e exposições promovidos por partidos e movimentos de cidadãos.

Naturalmente, uma questão é utilizar as potencialidades do Rivoli (obrigação de uma política cultural consequente) e outra é sujeitá-lo a critérios de rentabilidade privada.

O que pedem os ocupantes do Rivoli é que o Presidente da Câmara do Porto honre os propósitos de serviço público para os quais o Rivoli foi criado.

Pode haver quem pense que a ocupação é uma forma violenta de pressionar, mas que outra atitude poderia ter quem encontra fechadas as portas do seu direito de lutar por aquilo que, sendo pago com o dinheiro dos contribuintes, também lhes pertence.

Ao contrário de Brecht, eu diria que é mais violento o rio que tudo comprime que a revolta das margens contra essa opressão.

 

Fica-se perplexo!!!...

Diz o secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, que «a culpa» do aumento de 15,7% da electricidade para os consumidores domésticos em 2007 é do consumidor. E a sua justificação é hilariante: «o consumidor (doméstico) esteve vários anos a pagar menos do que devia».

Pela sua lógica, o melhor (mesmo o melhor!) para não haver o monstruoso aumento era não haver consumidores domésticos.

Mas seria ao consumidor que competia desenvolver estratégias, nomeadamente através das energias renováveis, para baixar a dependência da energia eléctrica?

Terão sido os consumidores domésticos que nomearam, com chorudos vencimentos, os “boys” incompetentes que presidiram à administração da EDP?

Serão os consumidores domésticos quem mais consome energia eléctrica e mais polui no país?!...

Onde está o respeito pelo princípio da equidade na resolução do défice tarifário da electricidade?...


Será socialmente justo o governo penalizar cada vez mais os que menos têm?!...

terça-feira, outubro 17, 2006

 

O exame de Sócrates

Sócrates chamou, por SMS, os jornalistas para a porta do Parlamento e fez exame deste dia, marcado pela greve dos professores:

O que disse Sócrates no exame?

Disse que copiava os outros países na avaliação dos professores (não a bem da Nação, mas «a bem das crianças»). Copiava, ainda, os outros países para diminuir o vencimento dos pensionistas. Pelo que pôde copiar «em nenhum país os pensionistas ficam a receber mais do que quando trabalhavam».


Neste exame o Primeiro-ministro revelou falta de sabedoria própria. Os professores devem chumbar este Primeiro-ministro. Copiar é feio e ele não sabe outra coisa senão fazer copianços. E só copia o que há de pior nos outros, o que é significativo da sua má prestação.

 

Uma peixeirada!!!

Quem ouviu o programa “prós & contras” sobre a nova "lei das Finanças Locais" ficou com uma imagem clara do que são capazes os autarcas portugueses: saltam de um registo de argumentação para outro, recorrem à peixeirada, falam em nome das populações como se as populações fossem os seus apoiantes, não têm uma ideia de serviço público, recorrem às insinuações comprometedoras e utilizam a demagogia como arma de combate político.

O que mais me preocupa não é a falta de nível dos autarcas, mas o poderem fazer escola da acção política.

É que eles acumulam o seu cargo público com cargos políticos: são, na generalidade, os presidentes das concelhias do seu partido. Receia-se, por isso, que o descrédito da vida política possa agravar-se com o exemplo desses senhores.

A propósito da "Lei das Finanças Locais" leia-se o que escreve, hoje, Vital Moreira no blog
http://www.causa-nossa.blogspot.com/

segunda-feira, outubro 16, 2006

 

Duas notícias

Os professores vão amanhã iniciar uma greve de dois dias, protestando contra o facto do Governo querer poupar na despesa do estado à custa dos professores com duas medidas que agravam a sua dignidade e condição profissional:
1. a questão das cotas que impedem o acesso ao topo da carreira
2. uma avaliação que se pode traduzir num instrumento de pressão sobre a isenção dos professores na sua avaliação dos alunos.

Um representante dos autarcas diz nos “prós & contras” que ser sério ou corrupto é uma livre opção.


Não deixa de ser significativa a interpretação desse autarca!...

Se liberdade é o poder de escolha, poder-se-á falar de liberdade a "escolha" de roubar?!... Então, a liberdade não é um bem, pois o seu uso não se harmoniza com a natureza do valor "bem" que a justifica.


 

Uma mulher de Causas

Quem é Regina Guimarães?

É uma mulher de causas. Apareceu, hoje, no interior do Rivoli, protestando contra a privatização desta casa de Teatro.

Regina Guimarães é uma das mulheres que marca o nosso tempo e, sobretudo, a cidade do Porto. É poeta, tradutora, professora universitária, dramaturga, letrista e cineasta.

Não é fácil encontrar nos últimos vinte anos em Portugal alguém com uma produção artística tão vasta e tão diversificada.

No ciclo “Vozes e Olhares no Feminino” promovido pela Porto 2001 e editado pela Afrontamento, aparece ao lado de escritoras como Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner, Teolinda Gersão ou Maria Velho da Costa.

A tua luta também é nossa. Força, Regina!



«««««««««»»»»»»»»»

“Fui expulsa da casa do mundo
por um irmão desconhecido.
Vendou-me os olhos e levou-me
à saída de todas as saídas.
Nunca mais achei o caminho
do meu claro quarto crescente
onde se nascia todo o dia.
Só me lembro de nascer, nascer, nascer
como uma labareda a pão e água.
(..)”


Regina Guimarães

domingo, outubro 15, 2006

 

Poema da Amiga













Amiga, se eu pudesse ser livre
e não ter nada,
Nem mesmo o desejo de
não ter nada.
Nem mesmo a consciência
de ti, nem mesmo
O humilde silêncio das coisas
que passam!
Amiga,
Esta bruma da manhã
é irredutível como o meu desejo
de expressá-la.
Toda bruma e todas as coisas
são irredutíveis
A tudo que não seja a mais
impossível pobreza.

Helio Pellegrino (1924-1998)

Enviado por Amélia pais

quinta-feira, outubro 12, 2006

 

Uma multidão luta por melhores condições de vida

Uma multidão (entre 80 mil a 100mil) de trabalhadores manifestou-se hoje em Lisboa contra as políticas do Governo. Põem em causa as reformas, lutam contra o desemprego e recusam ser sempre os mesmos, os trabalhadores, a pagar a crise.

Naturalmente, o Governo dirá que não são as manifestações que farão alterar as suas políticas. É a resposta que nestas circunstâncias todos os governos dão. Entretanto, quer venha ou não ser espelhado nas sondagens, a impressionante manifestação de hoje terá necessariamente consequências na imagem do Governo. Não há memória de uma manifestação semelhante e isso tem um significado que não pode ser ignorado.

Não esquecer que a crise social agrava-se com a subida de impostos, sendo, como é referido nos relatórios mais recentes, Portugal o País onde os impostos mais sobem na Europa.

quarta-feira, outubro 11, 2006

 

Pobre Marco!!!...

Com o voto de qualidade do Presidente da Câmara, o Marco de Canaveses passará a ter mais dois supermercados e a ser o Concelho que no seu centro dispõe da maior densidade de superfícies comerciais por número de habitantes. Sete!...

Pergunta-se: o que terá levado o Presidente da Câmara a decidir este atafulhamento de superfícies comerciais?!...

A pergunta é tão pertinente, quanto é certo que ainda está na memória dos eleitores as promessas eleitorais do candidato Manuel Moreira. No seu manifesto eleitoral, prometia: «implementar uma política municipal de apoio ao comércio tradicional e promover uma semana que lhe seja dedicada, em articulação com as organizações empresariais».

Diz, agora, o presidente da Autarquia, Manuel Moreira: «as novas superfícies comerciais justificam-se por razões de modernidade, de criação de novos empregos e como desafio aos comerciantes locais para serem mais dinâmicos» (citamos de cor).

Analisemos cada uma das suas justificações:

1º A modernidade define-se pelo sentido personalizado do bom gosto e não pela atitude do basbaque que incha com o pasmo da contemplação de filas de prateleiras e mais prateleiras e delas retira muitas inutilidades com que vai enchendo sacos.

Toda a gente sabe que o comércio do futuro é o comércio personalizado e esse está mais próximo do comércio tradicional que das grandes superfícies.

2º O Comércio tradicional produz emprego local, gera riqueza local, é fonte de desenvolvimento local (estabelecendo redes de apoio que vão dos gabinetes de contabilidade às associações de defesa dos seus interesses), fixa localmente os seus operadores e nos momentos de crise só o pequeno comerciante serve de estabilizador social, fiando, esperando melhores dias para os seus fregueses lhe pagarem.

As grandes superfícies têm alguns postos de trabalho precário, ocupados temporariamente por gente da terra, mas os seus quadros, os seus centros de decisão, não estão no local das suas instalações. E quando o negócio não resulta fecham as portas, deixam no desemprego os seus funcionários e partem de abalada.

3º As grandes superfícies comportam-se como os predadores: secam tudo o que está à sua volta que comercializa o que elas comercializam.

Dizer que elas são um desafio aos comerciantes locais é tão cínico como dependurar uma corda no pescoço de um (comerciante) moribundo e dizer-lhe que, puxando a corda, fica mais vivo e dinâmico.

Estão muito distantes o candidato Manuel Moreira e o Presidente da Câmara Manuel Moreira.


Essa é a distância entre a esperança e a desilusão.

Uma distância tão grande que é superior à que vai dos 70 mil contos que terá custado o terreno e os 200 mil do preço da venda com o projecto aprovado.

Distancias que, em qualquer caso, são sempre de uma obscenidade indescritível.


 

A coragem da liberdade

Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida politica e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida. Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Polit-kovs-kaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conheço-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar "De quem falará ele?".

Manuel António Pina
In: J. N. 2006.10.10

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