quinta-feira, outubro 19, 2006

 

A questão da gravidez indesejada

Hoje, o parlamento vai debater uma proposta apresentada pelo PS de referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Penso que nenhuma mulher quererá fazer a interrupção da sua gravidez sem motivos fortes e dolorosos. Muitas dessas mulheres (e sempre as mais pobres) são vítimas de abortos mal feitos. É, por isso, inaceitável que as cerca de 20 mil mulheres que, por ano, fazem a interrupção voluntária da gravidez sejam apelidadas, pela lei, de criminosas.

Há quem pretenda reduzir a vida humana à união de 23+23 cromossomas. Mas, os que assim pensam também sabem que uma perspectiva meramente biológica não define um ser humano. São as circunstâncias psicológicas e sociais em que se desenvolvem as potencialidades dos 23+23 cromossomas que irão “fazer” dessa “soma” um ser humano.

Mas essas circunstâncias só se podem manifestar com a formação do sistema nervoso central. É a partir dessa ocasião, a qual se situa por volta das doze semanas, que podemos dizer que, sob o ponto de vista ontológico, emerge a vida biopsicológica que caracteriza o ser humano. E é só nesta altura que o embrião humano tem condições para se adaptar aos estímulos psicológicos que recebe da mãe e, através dela, passa a ter a sua própria história de ligação profunda ao meio social de que depende.

Uma concepção puramente biologista do ser humano alivia muita hipocrisia. Talvez, por isso, os chamados movimentos pró-vida, que contestam a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se esqueçam que o problema do aborto é um problema das condições com que a maternidade se depara.

Nunca, como hoje, houve um desprezo tão grande pela situação de gravidez.

Muitas mulheres são obrigadas a declarar que não engravidam para obter um emprego e muitas outras trabalham em condições desumanas durante a gravidez.

Esses movimentos pró-vida para serem consequentes com o que apregoam deveriam exigir a criminalização do empregador que não respeita o direito á maternidade ou lhe recusa as condições materiais, psicológicas e afectivas que criam as circunstâncias que promovem o desenvolvimento normal do embrião.

Além disso, o problema do aborto não se reduz à mulher: há também um cúmplice. Por que não exigir, segundo a mesma lógica, a responsabilidade penal do cúmplice da gravidez abortada?

A despenalização do aborto dirige-se, sobretudo, para as mulheres mais pobres. As outras têm sempre facilidade de o fazerem de forma discreta e segura.

Estar com as mulheres que não têm condições psicológicas, materiais e sociais para criarem os seus filhos é também contribuir para que as crianças que vêm ao mundo não sejam aquelas que são depois abandonadas à sorte da rua ou colocadas em “armazéns” e depois empurradas para o crime e o vicio.

Não me parece razoável que se queira penalizar o desespero de uma mulher em situação de gravidez indesejada e, ao mesmo tempo, se pretenda lavar as mãos das causas dessa situação.

Convém lembrar, a propósito, um excerto de um poema de Sophia de Mello Breyner:

As pessoas sensíveis não são capazes de matar galinhas, porém são capazes de comer galinhas”.

Comments:
Eu conheço-as e apetecia-me citá-las!
 
Quatro mil crianças que não nasceram em Portugal!!!

Por estas e por outras é que amanhã não existirão europeus!

E as mães certamente não vivem em barracas!!!
 
Algumas não vivem em barracas,nem são julgadas em tribunais.Mas outras, muitas outras (muitas jovens de 14, 15 anos)que fazem a interrupção da gravidez em condições miseráveis vivem em barracas ou em situações semelhantes. Geralmente, estas não fazem parte das estatisticas, mas a APF tem estudado estes casos.
 
E os milhões que não passam de "projectos" retidos nas camisas de vénus, ou são lançados em profundos e infectos abismos ou ainda, apenas e só, perdidos por via dessa prática, apesar de tudo, mais saudável e abençoada do coito interrompido?
 
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