quinta-feira, junho 27, 2013

 

Numa manhã de um dia de greve

“Que memória é essa que nos guarda” diz o poeta e escorreu-me logo a lembrança de velhas histórias, quando hoje, de manhã, acompanhado do Teixeira Pinto, recebi de braços abertos um velho amigo, Rui Braz. Foi um dos criadores do cinenima, festival que se realizava em Espinho. Chegou a ir com um filme ao Festival de Cannes.

Como é bom encontrar-se velhos amigos que a memória guardou de velhas noites, pesadas noites que lembram tempos que julgávamos não voltar e ameaçam regressar.

A memória trouxe-me o pesadelo de horas que ainda me assustam em sonho: há muitos anos atrás, convidou-me para ir falar à Universidade da Beira Interior sobre revoluções científicas. Tinha na altura publicado um livro sobre isso!

A comunicação era para mestrados, mas entraram na sala velhos professores e eu senti, de repente, a inutilidade do que ia dizer. Levava um texto escrito e um esquema que pensava seguir. Optei por ler o texto. Li-o e pareceu-me que nunca mais acabava de ler aquela meia dúzia de páginas. Transpirei com arrepios de um mal-estar. Saí-me melhor no debate, mas, ainda hoje, tenho pesadelos daquela vergonha. Quis-me entregar uma verba que tradicionalmente era destinada a essas iniciativas. Recusei-a decididamente, como quem recusa meter a mão no bolso de quem não ganhou confiança para isso. Recordamos este facto, mas como é amigo, um bom amigo, aliviou-me do pesadelo e disse-me que correi tudo muito bem.

Subia a Praça da Liberdade, quase deserta, como fosse domingo, mas um domingo feio de tristeza. O encontro com o amigo, escondeu a tristeza e como abrigo dos dias magoados, em que se partilhava uma luta contra o austericidio, ficou este feliz encontro.

quarta-feira, junho 26, 2013

 
Parece paradoxal, mas é terrível: amanhã, dia de greve geral, mais quatrocentas pessoas ficam sem emprego: são atiradas pelo egoísmo, pela tirania da ganância, para a impossibilidade de fazer greve geral. É por eles, pelo direito a um emprego e a um emprego digno que a greve faz todo o sentido.


Estar em greve é dizer aos desempregados: colocamo-nos nesta luta ao vosso lado.

Amanhã, mais quatrocentas pessoas vão somar aos mais de um milhão que não dispõem do direito natural básico, como diria Locke: o direito ao trabalho. É do trabalho que, segunda a lei da vida, vem o sustento para a vida e quem vem a este mundo tem direito a poder viver; é pelo trabalho que se criam expectativas de vida e quem vem a este mundo tem o direito a pensar no seu futuro; é pelo trabalho que vem o sentido da vida e ninguém pode retirar a dignidade a que o outro tem direito, dizendo-lhe viva como um ser humano não deveria viver.

Protestar pela greve contra esta indignidade é mais do que razão para não ficar na zona conforto. É que amanhã pode ser tarde e Você, como diz o poema, já nessa altura acrescenta mais um número à multidão dos que, pesando nada ter a ver com isto, já estão na greve forçada e,”Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo”.
http://www.youtube.com/watch?v=Z9qHOenYj5Y&feature=share

 

Estou com a greve gerall

Apelamos a que a sociedade tenha coesão, funcione como um corpo, mas neste corpo os principais membros, os que vivem do seu trabalho, estão mal tratados. A fome, o desemprego, os salários de miséria são a doença deste corpo. Fazer greve é dizer basta! Basta de tanta injustiça!...

Ser solidário com esta greve-geral é afirmar fazer parte de um corpo social, estar com o coração que nele bate e não ficar na zona de conformo dos que pensam que é melhor ficar com o nariz enfiado num prato de lentilhas.

Estou farto desta gente incompetente e não vou no embuste de que não há alternativas. Há sempre alternativas, quando sai da alma o desespero para dizer basta! Estou com esta greve, e com todos clamarei pela demissão deste governo.
Greve geral: Arménio Carlos passa tarde em plenários e planeia noite «em claro» | Política | Diário Digital

segunda-feira, junho 17, 2013

 
Este governo craticista não entende que as pessoas gostam dos professores e a frio vão-lhe dar razão. O autismo, a pesporrência, a falta de senso-comum e muita incompetência deste governo criou a confusão nas escolas e esta confusão não se apagará em breve: será matéria de estudos, teses de mestrados e doutoramentos sobre o que um governo imbecil pode fazer de mais perverso na educação.

segunda-feira, junho 10, 2013

 

“SACRIFÍCIOS HUMANOS NO ALTAR DA MOEDA ÚNICA

Um excelente texto de José Goulão:


"Técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhecem em relatório com a chancela da organização que foram cometidos “erros grosseiros, significativos, graves, importantes” – o adjectivo depende da tradução - no chamado “programa de ajustamento” imposto à Grécia e que conduziu o país à tragédia social em que se encontra. Um programa que se insiste em qualificar de “ajuda” quando se trata de conceder créditos em regime de usura criminosa.

O relatório admite que não foram tidos em conta os efeitos das medidas de austeridade, que não se acautelaram condições de crescimento económico e de defesa do emprego, para falar apenas de duas pragas que assolam não apenas a Grécia mas numerosos outros países da União Europeia, a começar pelos que foram transformados em protectorado da troika.

Ora o relatório do FMI provocou uma tempestade interna na troika. Os membros europeus do triunvirato, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, dizem que nada disso, não houve erros, tudo corre como previsto e eles próprios têm vindo a desdobrar-se em esforços para promover o crescimento económico e criar emprego. Está à vista: em menos de três anos a União Europeia mergulhou na recessão, particularmente grave na Grécia e Portugal, e o desemprego bate todos os recordes no espaço europeu. Na Grécia, sob o governo da troika, saltou de 14 para 27 por cento; em Portugal o agravamento foi de 12 para quase 19 por cento e vai continuar – o próprio governo o reconhece.

Se estalou a guerra entre os credores, os credores que se entendam. Mas a coisa não fica por aí: o que salta à vista, como sinal de muito maior gravidade, é a irresponsabilidade com que os membros da troika partiram para as severas medidas sem terem medido todas as suas consequências humanas, humanitárias e sociais. Olharam apenas pela salvação da banca, pela felicidade dos mercados e os outros que se amanhem, que paguem a crise que não provocaram. Façamos aliás de conta que acreditamos que eles não anteviam as consequências, que foi um erro de cálculo quando estamos na verdade perante um jogo do empurra porque a “liberalização do mercado de trabalho”, o eixo das medidas tomadas, pretende instaurar uma competitividade económica impondo uma profunda regressão social na Europa. E nesse domínio não há divergências dentro da troika.

Há outro campo de sintonia, igualmente grave porque é apresentado como auto-elogio pelo próprio FMI, quando deveria ser um dos pilares da autocrítica. Diz o relatório do Fundo que ao menos, no meio de tantos acontecimentos negativos, foi possível manter a Grécia no euro, a moeda única.

Para isso não precisava o FMI de fazer qualquer relatório ou de incomodar o Sr. Barroso na Comissão Europeia e o Sr. Draghi no Banco Central Europeu. Afinal veio explicar-nos, em suposto mea culpa, que valeu a pena sacrificar a dignidade e os direitos de milhões de pessoas para salvar uma moeda única que apenas serve verdadeiramente os interesses de um país entre 17, a Alemanha da Srª Merkel.

O que o FMI nos veio dizer, em letra bem legível, é que vale a pena atacar milhões de pessoas, condená-las à violência da pobreza, dos cortes de salários e pensões, do desemprego, da emigração, da fome, da doença e até da morte por suicídio, para defender uma moeda.

Numa coisa não há divergências na troika: para defender a moeda única vale a pena sacrificar milhões de pessoas num ritual de tragédia social.

Para nós, cidadãos castigados, esta convergência também tem duas faces, como uma moeda: ficamos a saber que se um país sai do euro pode ser o princípio do fim deste, pelo menos tal como existe, à imagem e semelhança do marco alemão. Não valeria a pena enfrentar o desafio?

José Goulão


quinta-feira, junho 06, 2013

 
Diz Bagão Félix: as criticas do FMI ao reajustamento exigido pela Troika à Grécia também atinge Portugal. A velocidade de reajustamento é inadequada e coloca no incumprimento os países intervencionados.

Outros economistas já o tinham previsto. Mas Gaspar e Passos foram, com a conivência de Cavaco Silva, para além das exigências da Troika: quiseram ser “bons alunos” da Merkel e da Troika, sem avaliar as consequências, como é próprio dos “lambe-botas” incompetentes.

O resultado está á vista: um desemprego crescente insuportável, roubo das pensões, cortes na educação, na saúde, nos apoios a crianças e doentes, destruição duma função pública independente e equidistante dos partidos, da escola pública, do serviço nacional de saúde. E tudo branqueado com velhas ideias de pseudo-tecnocratas, como “escola-empresa”, hospital-empresa”.

Levantam estas velhas e gastas “bandeiras” e dizem que fazem reformas como há mais de 50 anos não se faziam. Chamam reformas ao regresso a velhos tempos. São os alibis que encontram para branquear a sua incompetência.

O País está destruído e a nação caiu na desgraça. O desespero manifesta-se no crescente e assustador número de suicídios e os roubos crescem todos os dias. Hoje, um meu amigo disse-me: “roubaram-me um carro -- um BMW da série 5. A média de roubos de carros de gama alta no Porto é já de 12 por dia. Onde meterão tantos carros?!”...

Em suma: Falta-nos um Presidente da República, temos uma imprensa servil e estamos entregues ao desespero, ao medo e próximos da explosão social.
http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/06/fmi-admite-fracassos-notaveis-em-plano-de-resgate-a-grecia-em-2010.html

quarta-feira, junho 05, 2013

 

A escola não é uma empresa!

Não era necessário que a resposta a uma greve de professores fosse uma parvoíce.

O ministro importou dos Estados Unidos uma velha ideia: a escola tem de ser gerida como uma empresa. Dizer isto é nada perceber do contributo que desde os romanos a escola, a escola da nossa tradição, tem dado para a formação de uma sociedade equilibrada, solidária e de valores; é não perceber nada do que deve ser uma escola. E o ministro pensa que é original, o que é sinal de parvoice!

Pense bem, antes de decretar, na escola dos Estados Unidos (agora, o seu farol do mundo!), olhe bem para os seus resultados no campo humano, solidário e de equilíbrio mental.

Uma escola serve muito mais do que para ensinar a ler, escrever, contar ou preencher uma folha excel

A escola é, hoje, talvez o único lugar, depois de desaparecer a família tradicional, onde se pode formar homens inteiros, com coração e inteligência, com sentimentos e razão, com convicções e tolerância. Presta um serviço em favor do bem-comum como um hospital. É o único espaço onde uma certa espontaneidade é fundamental para fazer do ensinar o educar, dum menino um homem bom, dum adolescente um cidadão responsável.

Mas esta gente de cinzento e de cimento pensa que a escola é um lugar onde se dá á manivela!

Pensar que gerir uma escola é como gerir uma empresa é um crime: serve para fabricar monstros, esquizofrénicos e mandá-los em fila para as prisões.

Não sabem isto e não sabem que a sociedade que queremos se constrói na escola que hoje temos!


 

"Os retornados"

“Os Retornados”, é um livro de Fernando Dacosta que merece ser lido. Será polémico, terá imprecisões, mas põe-nos a reflectir e é isso que faz um bom livro.

Está no poder essa geração que, imprecisamente, foi chamada “os retornados”. Já não são eles, mas os seus filhos, a quem melhor seria chamar deslocados. Estão-se a vingar de um mal que julgam que lhes fizemos, “o Portugal que nos querem impor é um país de ignomínia”, sublinha Dacosta.

Deslocados, não têm memória das nossas raízes nem sabem o que é ser português.

Penso, como Fernando Dacosta, que é aqui que está a questão. E isso vem de encontro ao que no texto desta semana para o Semanário Grande Porto (Tempos de solidão) escrevi: fomos exilados dentro da nossa terra. E é, no fundo, a amargura do livro “Pátria” de António Augusto Tavares. Vivemos em solidão. E é bom que seja esclarecido por quê (?).

Dacosta explica e explica-o de forma clara.

Podíamos não sofrer o que sofremos hoje, podíamos não ter quem lançasse ao caixote do lixo tudo o que marcou a nossa luta, a nossa vida, a nossa história. Outros caminhos havia. Por que havíamos de ter estes tecnocratas sem alma? Porquê?


terça-feira, junho 04, 2013

 

Tempos de solidão

Para o Semanário Grande Porto enviei, hoje, este texto. Nele vai a minha homenagem a um livro de poemas (Pátria) de um desembargador que vive na minha Terra. Fez-me lembrar Guerra Junqueiro e, embora mais de um século os separem, muitas coincidências encontrei nos poemas.


O exílio não acontece apenas quando se é forçado a deixar a pátria, que também significa terra e mãe.

Há um exílio forçado da gente da minha geração, da que acreditou que a liberdade era mais do que poder ir ao cinema ou ficar em casa, que as eleições não eram, como no seu tempo, um ritual sem significado e lutaram por uma democracia que não se reduzisse a um jogo de poder num teatro de ilusões.

Há um exílio para quem lutou contra uma guerra injusta e, agora, vive a guerra que lhe é declarada ao seu salário, à sua dignidade, ao emprego dos seus filhos, aos direitos que tinha adquirido.

Há um exílio para quem ajudou a construir um país mais justo e humano, onde ninguém se sentisse um descartável e a democracia fosse o regime da responsabilidade no diminuir o sofrimento dos que mais sofrem; onde se respondesse às críticas e, quando estas não fossem suficientemente convincentes, não dessem a satisfação ao que se exigia, o governo fosse substituído.

O desencanto do tempo em que vivemos é um corte abrupto com a terra dos nossos valores, com o tempo que nos fez sonhar para melhor viver.

Sentimos que vivemos numa outra terra, num outro tempo, num outro mundo em que apenas conta o imediato, tudo é relativo e todos os valores e princípios são descartáveis. Fomos forçados a um exílio que não merecíamos, separaram-nos das nossas raízes, dos nossos valores e projetos.

Negam-nos o direito à nossa própria pátria e vivemos exilados numa solidão. A saída deste sofrimento é o mergulho na poesia. Só aqui ainda fica aberto o espaço do combate, da denúncia das gangrenas que nos definham e da autofagia para onde nos empurraram.

Foi este o espaço que encontrou Guerra Junqueiro para deixar pulsar em lírica a dor de alma por ver a pátria “ocupada” pelo Ultimato Inglês, “governada por batoteiros, onde o estado era o Rei, o cidadão era o governo, os deveres eram nossos e os direitos dele”.

O mesmo sentimento se tem hoje numa Pátria ocupada pela Troika, onde a política é para os fura-vidas, os pantomineiros, “o poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo” e o poder entregue a “dois partidos, sem ideias, sem planos, sem convicções”.

Não podemos, por isso, estranhar que passado mais de um século surja um livro de poemas, intitulado “Pátria”, editado na terra que gerou a Pátria, pela editora “Cidade Berço”.

O seu autor foi juiz desembargador e, por alguma razão, diz na dobra da capa do livro que se aposentou voluntariamente. É admirável o seu poema “Das leis”.

António Augusto Tavares é o seu nome e os portuenses conhecem-no por ter sido juiz instrutor de um processo que, em tempos, ocupou as parangonas dos jornais e ficou conhecido por “sãobentogate”.

Neste tempo de solidão, a “Pátria” de António Augusto Tavares (vejam “Fim de época” ou “Pátria”) constitui o mesmo lenitivo que Guerra Junqueiro encontrou no seu poema “Pátria”

Nos dois poetas, com mais de um século de distância, uma lírica semelhante promove o mesmo sobressalto cívico de indignação contra o que mina a dignidade da Pátria.

Vale a pena ler o livro!


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