segunda-feira, junho 10, 2013

 

“SACRIFÍCIOS HUMANOS NO ALTAR DA MOEDA ÚNICA

Um excelente texto de José Goulão:


"Técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhecem em relatório com a chancela da organização que foram cometidos “erros grosseiros, significativos, graves, importantes” – o adjectivo depende da tradução - no chamado “programa de ajustamento” imposto à Grécia e que conduziu o país à tragédia social em que se encontra. Um programa que se insiste em qualificar de “ajuda” quando se trata de conceder créditos em regime de usura criminosa.

O relatório admite que não foram tidos em conta os efeitos das medidas de austeridade, que não se acautelaram condições de crescimento económico e de defesa do emprego, para falar apenas de duas pragas que assolam não apenas a Grécia mas numerosos outros países da União Europeia, a começar pelos que foram transformados em protectorado da troika.

Ora o relatório do FMI provocou uma tempestade interna na troika. Os membros europeus do triunvirato, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, dizem que nada disso, não houve erros, tudo corre como previsto e eles próprios têm vindo a desdobrar-se em esforços para promover o crescimento económico e criar emprego. Está à vista: em menos de três anos a União Europeia mergulhou na recessão, particularmente grave na Grécia e Portugal, e o desemprego bate todos os recordes no espaço europeu. Na Grécia, sob o governo da troika, saltou de 14 para 27 por cento; em Portugal o agravamento foi de 12 para quase 19 por cento e vai continuar – o próprio governo o reconhece.

Se estalou a guerra entre os credores, os credores que se entendam. Mas a coisa não fica por aí: o que salta à vista, como sinal de muito maior gravidade, é a irresponsabilidade com que os membros da troika partiram para as severas medidas sem terem medido todas as suas consequências humanas, humanitárias e sociais. Olharam apenas pela salvação da banca, pela felicidade dos mercados e os outros que se amanhem, que paguem a crise que não provocaram. Façamos aliás de conta que acreditamos que eles não anteviam as consequências, que foi um erro de cálculo quando estamos na verdade perante um jogo do empurra porque a “liberalização do mercado de trabalho”, o eixo das medidas tomadas, pretende instaurar uma competitividade económica impondo uma profunda regressão social na Europa. E nesse domínio não há divergências dentro da troika.

Há outro campo de sintonia, igualmente grave porque é apresentado como auto-elogio pelo próprio FMI, quando deveria ser um dos pilares da autocrítica. Diz o relatório do Fundo que ao menos, no meio de tantos acontecimentos negativos, foi possível manter a Grécia no euro, a moeda única.

Para isso não precisava o FMI de fazer qualquer relatório ou de incomodar o Sr. Barroso na Comissão Europeia e o Sr. Draghi no Banco Central Europeu. Afinal veio explicar-nos, em suposto mea culpa, que valeu a pena sacrificar a dignidade e os direitos de milhões de pessoas para salvar uma moeda única que apenas serve verdadeiramente os interesses de um país entre 17, a Alemanha da Srª Merkel.

O que o FMI nos veio dizer, em letra bem legível, é que vale a pena atacar milhões de pessoas, condená-las à violência da pobreza, dos cortes de salários e pensões, do desemprego, da emigração, da fome, da doença e até da morte por suicídio, para defender uma moeda.

Numa coisa não há divergências na troika: para defender a moeda única vale a pena sacrificar milhões de pessoas num ritual de tragédia social.

Para nós, cidadãos castigados, esta convergência também tem duas faces, como uma moeda: ficamos a saber que se um país sai do euro pode ser o princípio do fim deste, pelo menos tal como existe, à imagem e semelhança do marco alemão. Não valeria a pena enfrentar o desafio?

José Goulão


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