quarta-feira, agosto 30, 2017

 

Um Presidente esquecido.

Para quem se depara com o Jardim Municipal do Marco de Canaveses e vê o busto de Adriano José de Carvalho e Mello, fundador do Concelho, também poderá pensar que foi ele o obreiro do Jardim.
A conotação tem uma carga política: fazer ostracizar o nome do Presidente da Câmara que levou à prática essa obra.
O seu fundador foi o Dr. José Cabral de Matos, advogado, notário, Homem culto e de grande sentido de Estado, que presidiu à Câmara do Marco entre 1949-1953.
Entregou-se à nossa terra com paixão e apoiado na utopia das vilas e cidades-jardim, que procuravam atenuar o impacto entre o rural e o urbano, criou o Jardim Municipal.
Mexeu com muitos interesses instalados. O Dr. José Cabral de Matos bebia a ideia que, o romantismo alimentou, que as vilas deveriam ter espaços de convívio, não cortarem abruptamente com o espírito da ruralidade, disporem de locais de estacionamento fácil, proporcionarem conforto e agradabilidade aos que nela residiam e aos que a visitavam. No espaço onde foi construído o Jardim fazia-se a feira do Marco, uma das maiores do País, uma grande fonte de receita para o comércio local, e havia lugares de estacionamento junto à Câmara que ele entendia que não deveriam ser ocupados por interesses privados.
Certos sectores que dominavam o Concelho fizeram tudo para que ele se fosse embora, demitindo-se de Presidente da Câmara. E mesmo depois de deixar a presidência, foi propositadamente ostracizado, limpado o seu nome do Jardim, fizeram-se monografias que o ignoram e nem nos 150 anos do Concelho foi lembrado. A única referência elogiosa que lhe foi feita, depois de pedir a exoneração do cargo, foi pelo Dr. Francisco Vahia de Castro (nomeado para o substituir) que manifestou, por carta, a sua solidariedade para com o Dr. José Cabral de Matos e referiu que o Concelho lhe deveria agradecer os sacrifícios e a dedicação que lhe votou.
Já passaram muitos anos para que ressentimentos e egoísmos sejam esquecidos. É necessário trazer à memória o Dr. José Cabral de Matos, um homem bom que existiu no nosso Concelho. E, pelo menos, que uma placa, como as que enxameiam o Concelho, se multiplicaram até à exaustão por todo o lado, seja colocada no Jardim para trazer à memória o seu fundador.
Não haverá nenhum candidato à presidência da autarquia que tome como seu propósito concretizar esta ideia?!... Por que não partilhar esta proposta para forçar a sua concretização?


sexta-feira, agosto 18, 2017

 

Democracia orgânica

A maior perversão da democracia é o seu desvio para uma “democracia orgânica”, tão querida de muitos partidos. Nesse falseamento da democracia, o que conta é o amiguismo: só quem está com o presidente é que tem benefícios, as associações recreativas, culturais ou desportivas dominadas por gente de confiança do presidente são privilegiadas, um “verdadeiro intelectual” é o que nos jornais, nas redes sociais sabe tornar virtude os desvarios e erros do presidente e é isso que justifica a recompensa do presidente.
A política na "democracia orgânica" é um jogo de ilusões que se faz pelo espetáculo. O que é preciso é fazer do mandato um festival que promova o presidente, que o torne homem sábio, sendo ele um ignorante, e exalte a vaidade como esplendor de sua proficiência.
Sou contra isto e considero mesmo que isto não é democracia. Foi a política de um passado não muito longínquo que levou o meu Concelho à falência, o meu País à falência. Defendo o valor da critica, penso, como Descartes, que a crítica é o ácido que corrói o erro. Lutarei sempre contra a democracia orgânica que ainda faz escola entre muitos autarcas.
A democracia exerceu-se pelo uso livre da palavra e só com a Revolução Francesa apareceram os partidos, como hoje os consideramos. O maior teórico da democracia é, no meu entender, Karl Popper. Foi um filósofo da ciência e também da liberdade e da democracia. Escreveu "Sociedade aberta e os seus inimigos" Ora vejam o que ele diz nesta entrevista:

"Inicialmente, em Atenas, a democracia foi uma tentativa de não deixar chegar ao poder déspotas, ditadores, tiranos. Esse aspecto é essencial. Não se tratava, pois, de poder popular, mas de controlo popular.
(…)
Desde o início que o problema da democracia foi o de encontrar uma via que não permitisse a ninguém tornar-se demasiado poderoso. E esse continua a ser o problema da democracia.
(…)
Numa democracia, é essencial a consciência da responsabilidade, a responsabilização daqueles que detêm o poder e o exercem. Tudo gira à volta disso. Responsabilidade significa responder a uma acusação. É nisso que consiste, fundamentalmente, o ser responsável. Dar respostas às criticas e afastar-se quando essas respostas não forem suficientemente convincentes. Trata-se, por consequência, não de conduzir o povo, mas de dar satisfação ao povo.
(…)
Teríamos de ser democratas, ainda que se viesse a provar ser a ditadura economicamente mais eficaz. Não devemos trocar a nossa liberdade por um prato de lentilhas! Todavia, é evidente que a democracia é mais bem sucedida, e por uma razão puramente humana. Ela é mais bem sucedida porque a iniciativa humana e a força criativa do Homem estão natural e intimamente associadas à liberdade. Só se for possível falar livremente, poderemos desenvolver as nossas ideias. Sempre que numa sociedade moderna a criatividade e a iniciativa são reprimidas, as coisas correm pior para esses países do ponto de vista económico.
(…)
A riqueza é uma consequência da liberdade, da iniciativa e, sobretudo, da liberdade de expressão.

(Excertos de uma entrevista de Manfred Schell a Karl Popper)

sexta-feira, agosto 04, 2017

 

Habemus net!

Foi com o tema “A Cidadania como factor do aprofundamento da democracia e do desenvolvimento ” que terminou o ciclo de debates promovido, neste Verão, pela Associação dos Amigos do Marco.

Carla Queirós, representante do Movimento do Comércio Tradicional, trouxe para a reflexão duas questões: a multiplicação de centralidades dispersou os clientes, enfraqueceu o comércio e esvaziou as ruas tradicionais. Situação que se agravou com uma requalificação que, copiando o estilo pós-moderno aplicado a centros históricos (onde não há trânsito), desenhou sentidos únicos, com passeios altos e um pavimento trepidante que afasta os veículos, empurra os ciclistas para os passeios, dificulta o estacionamento e, em eventuais casos de emergência, agrava a necessidade de imediato socorro, criando problemas que podem ser trágicos, cuja responsabilidade não deixará de recair sobre a Câmara.

Carla Queirós referiu-se, depois, ao sentimento que existe entre os comerciantes de que as mais-valias do investimento autárquico beneficiam as grandes superfícies, com as infra-estruturas que lhes são disponibilizadas, e não trazem retorno para o comércio tradicional que contribui com uma significativa fatia dos impostos que são cobrados pela autarquia.

O sociólogo da U.M., Carlos Silva, fez a distinção entre discriminação e exclusão e, utilizando o pointer-point, evidenciou com números o darwinismo social da exclusão, levando os ricos a se tornarem cada vez menos numerosos e mais ricos; e os pobres, cada vez mais e mais pobres. Tomou a exclusão como conceito orientador da sua exposição e falou dos diferentes patamares em que ela se evidencia. Referiu, inclusivamente, a captação da discussão política pelo poder político que centrifuga o debate nos partidos, com exclusão dos cidadãos, independentemente das suas cores ideológicas ou partidárias.

Finalmente, o antropólogo Fernando Matos Rodrigues referiu-se ao espaço público, como espaço dos afectos e da memória e, por isso, complexo. Recusou o minimalismo pós-moderno (evidenciado na requalificação da Cidade), que vê nas comunidades uma soma de indivíduos, valorizando apenas o conhecimento tecnocrático, sem consideração pelos saberes espontâneos, emoções e outros laços que fazem a vida em grupo e constroem a coesão social.

Gerou-se, depois, um interessante e caloroso debate. Um participante sublinhou que a falta de discussão pública (privilégio apenas de alguns ungidos) da requalificação da Cidade foi patente, inclusivamente no facto de só depois de realizado o projecto de requalificação se dar conta que um dos munícipes tinha ficado sem entrada para a garagem da sua residência. Um outro interveniente lembrou que a natural expansão da Cidade seria para o rio, donde provem a história do Concelho, e que foram os interesses imobiliários ligados à anterior autarquia que perverteram este rumo e multiplicaram as centralidades. Seguiram-se outras intervenções e, mesmo depois de ter terminado o debate e fechado o auditório, cá fora, o debate continuou aceso, parecendo não querer terminar.

Manifestou-se  o apreço e a importância da presença de muitos candidatos à autarquia e lamentou-se que outros tenham faltado, o que denuncia a hipocrisia das preocupações que proclamam, quando se desinteressam pelos debates que sobre a nossa terra são feitos. Parecem continuar a acreditar que, na romaria eleitoral, lhes basta a cartilha das promessas avulsas. Pensam que os eleitores gostam de seguir a cenoura que lhes apontam, sem precisar de sentir os problemas que localmente são vividos e carecem de resposta. Talvez por procederem como os “mercenários” que nas guerras só estão disponíveis para os proventos da batalha!

Também houve quem referisse a incomodidade que os responsáveis pela autarquia demonstram, quando alguma crítica é feita à sua “obra”, e, na sua insensibilidade democrática, se alargam em cansativas justificações que nunca convencem ninguém. É, de facto, um estilo que, numa tonalidade mais doce, provem de outros tempos, lembra Trump à escala mínima, e não deixa de ser reflexo da tentativa de monopolizar a discussão política, não saber aprender com os cidadãos e exclui-los do uso livre da palavra - o que acaba por evidenciar a actualidade da importância da AACMC, como fórum do uso livre da palavra, sem a intimidação do poder e com a recusa de ser correia de transmissão da propaganda dos interesses dos directórios locais dos partidos.

Sem o debate livre, o levar à prática o princípio de que “o que é destinado aos munícipes não deve ser feito sem os ouvir”,  não há exercício da cidadania; e sem cidadania não há democracia. É incontroverso que a democracia emergiu do uso livre da palavra na Grécia Antiga  e os partidos só apareceram com a Revolução Francesa. A doutorice funciona, hoje, como um vírus da democracia que leva a satisfazer-se com uma representação dos munícipes só por doutores e engenheiros. Depois, os outros cidadãos ficam sem quem os represente nas assembleias municipais, que se vão transformando num fórum fechado, entregue a interesses de grupos e à irrelevância das questiúnculas, imitando, no seu pior, o ruído que acontece na Assembleia da República.

A democracia que se fecha sobre os profissionais da política ou na cegueira do elitismo, promove o dramático crescimento da abstenção, torna os políticos numa classe arrogante, retira-lhes o prestígio, desenvolve pulsões autoritárias e dominadoras.

A profissionalização da política é responsável pela necessidade de eternizar a ocupação de cargos políticos e muitos autarcas, impedidos de se recandidatarem, recorrem ao estratagema de passarem de candidatos à presidência da autarquia para candidatos à presidência da assembleia, com vista a retomarem a presidência da autarquia em próximas eleições. É-lhes indiferente o risco de estilhaçarem o partido com divisões internas, como já acontece em muitas autarquias. O que lhes interessa é manter a carreira. Talvez, por isso, já se ouve os mais avisados a confessarem que sabem em quem não votam, mas não sabem em quem vão votar.

Uma outra consequência desta perversão da democracia é o sentimento subjectivo que se gera nos eleitores: o de que, sendo todos os políticos iguais, todos fazendo da política um espectáculo das suas prosápias e das ilusões, o melhor é apostar em quem sabe ouvir, porque é do saber ouvir que sempre se esperou a melhor resposta.

O elevado índice de abstenções, superior já aos votantes, reflecte a descrença nos políticos. E a desilusão dos eleitores vai-se tornando terreno fértil para os demagogos, seja a nível de uma autarquia ou de uma nação. Ficam a votar neles, os menos cultos, os que acreditam na cenoura que lhes colocam à frente!

A política-espectáculo formatou o pior defeito dos autarcas ou de outro qualquer líder: o de pensarem que entre a ficção que impingem e a realidade vivida, os eleitores correm atrás da ficção e esquecem a realidade do dia-a-dia.


Não se pense, por isso, que transformar a Baiana (que acidentalmente nasceu no Marco - só foi para evitar o risco de sua mãe abortar no navio que levou o seu pai para o Brasil) numa bandeira eleitoral faz o triunfo de uma candidatura! Não é, nem podia ser!... A Baiana não é fundante da história do Concelho e privilegiá-la em relação aos que, no passado, mais serviram a nossa Terra é uma injustiça. Logo, o busto que a fará lembrar é efabulador, não gera significado, não passa de uma mistificação, consumida mais por forasteiros do que pelos conterrâneos, e, mal as luzes do espectáculo se apaguem, será esquecido pelos mais esclarecidos ou olhado com troça!

João Baptista Magalhães

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