segunda-feira, outubro 31, 2016

 

A bem da democracia

Associação dos Amigos do Concelho do Marco de Canaveses vai ter a sua sede.
Durante quase duas décadas funcionou em escritórios de amigos. Não tínhamos remetente institucional e todas as iniciativas, desde publicação de textos, contactos com personalidades, elaboração de um jornal, etc. fazia-se à custa da militância pessoal e com remetente privado.
Foi o espírito de cidadania, a consciência dos deveres democráticos, o sentir a responsabilidade do vínculo que, como cidadãos, nos liga à comunidade e nos obriga a colocar exigências de justiça, liberdade e igualdade, que nos fez superar todos os obstáculos que encontrámos.
Fica, por isso, bem e ajusta-se à natureza da Associação dos Amigos do Concelho do Marco, que a Autarquia, através do seu Presidente, Manuel Moreira, propusesse para sua sede umas instalações, mesmo ao lado da sede do Núcleo dos Combatentes, no Jardim que tem o nome do Fundador do Concelho, Sr. Adriano da Picota, como os marcoenses sempre o conheceram.
Não poderíamos ficar melhor, nem poderia ser mais significativa a proposta do Senhor Presidente da Autarquia. Todos os marcoenses que gostam da sua Terra, sabem muito bem que isso, noutras épocas, seria totalmente impossível, a menos que a Associação deixasse de lutar contra a arbitrariedade e o caceteirismo e se tornasse num instrumento servil do poder que imperava no nosso Concelho.
Os objectivos da AACM só são políticos no sentido genuíno da palavra: compromisso com uma “cidade” humana (Polis) mais justa, mais fraterna e mais tolerante. Pois é no seio da comunidade política (e não isolado e independente dos outros) que o Homem desenvolve a virtude do viver de harmonia com os valores e se torna num homem justo e bom.
Já Aristóteles, no seu “Tratado Político”,  dizia: “Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, também aquele que não conhece a finalidade da política na promoção da dignidade humana e da felicidade entre os homens é o pior de todos”.
É neste sentido que entendemos a política e é, também, neste sentido que entendemos a democracia.
“Não há democracia sem cidadania”, foi sempre este o nosso lema.  Acreditamos que pelo confronto de ideias, a vontade subjectiva se submete à vontade geral, o argumento racional se sobrepõe ao poder do domínio pessoal.
Não entendemos a política como uma profissão exercida através dos partidos, mas como uma postura cívica, que emana da natureza humana, do direito de criar expectativas sobre a felicidade da nossa sociedade e o dever de lutar por elas. E foi esta uma das razões que nos levou a criar a Associação dos Amigos do Marco de Canaveses num dia 25 de Abril, há mais de 20 anos.
Além desta finalidade,  tem por objectivo promover debates, estudos, publicar textos, contribuir para a defesa do património ambiental, histórico e cultural do Concelho.
Muitas vezes, confundimos cultura com conhecimentos ou saberes, mas o conhecimento ou os saberes não fazem, por si, um homem culto: há eruditos que são ignorantes e há muitos tecnocratas que são incultos. A cultura não consiste em possuir muitos saberes ou conhecimentos, mas em saber utilizá-los. A cultura  é o que fica no espírito, quando todo o resto foi esquecido.
Na mitologia grega, as musas e deusas cultas eram filhas da Memória, mas elas distinguiam-se da sua mãe. Talvez, por isso, Marguerite Yourcenar considerasse o tempo (morada da memória) o grande escultor do espírito. A cultura permite ao homem construir uma visão critica de si, dos outros homens e do mundo. Mas precisa da memória como referência dessa construção.
Neste sentido, também pretendemos promover o reconhecimento do mérito, através de um prémio anual a quem se tenha destacado no Concelho por levar a cabo aquilo que, nas diferentes expressões da vida social, foi considerado excelente e, por isso, muito distanciado daquilo a que, por dever profissional ou outro, seria obrigado.
O reconhecimento do mérito é uma virtude social, é o que devemos àqueles que foram melhores do que nós. E para que o prémio não se banalize, desvalorizando o mérito que deve ser reconhecido, só o atribuiremos anualmente e a uma personalidade.
Os Corpos Sociais e, particularmente, a Direcção, estão felizes por esta promessa da Câmara e já só esperam assinar o protocolo que irá estabelecer a cedência das instalações para a sede da Associação dos Amigos do Marco.
Esperamos ganhar com isso um novo dinamismo, que mais sócios apareçam (a cota anual é apenas de dez euros)  e que tenhamos mais condições para desenvolver os objectivos consagrados nos  estatutos da Associação.
Vamos fazer da abertura da sede uma festa, não só dos sócios, mas de todos os amigos do nosso Concelho.

30 /11/ 2016
Pela AAMC
João Baptista Magalhães
(Presidente da Assembleia Geral da AAMC)
http://amigosdomarcodecanaveses.blogspot.pt/2016/10/a-bem-da-democracia_31.html?spref=fb

segunda-feira, outubro 24, 2016

 

Sem amigos ninguém escolheria viver


Não nos víamos há mais de 50 anos! É muito tempo, tempo de mais de meio século. Muitos já partiram sem dizer adeus. Fizémo-los viver com o coração a soluçar por dentro e sem demora para não sangrar a alma do nosso encontro.
São as feridas da saudade, quando levada de encontro ao peito, é a dor de querer colocar no presente tudo o que a memória de bom traz do passado.
Suponho que foi Hesíodo, na sua Teogonia, que identificou o reino do ser com o reino da memória e a negação do ser com o esquecimento.
A memória na antiguidade era uma deusa: Mnemosyne. Instituiu a identidade e guardou os melhores bens, como é a amizade.
Tem razão Aristóteles, quando na Ética a Nicómaco, garantia: “ Sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que houvesse outros bens”. E Epicuro, considerado o filósofo da amizade, assegurou: “De todos as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida, a maior é a amizade”.
A amizade é uma dádiva que flui sem avisar, resiste ao egoísmo, faz da vida um fraternizar e quando a tristeza aparece transforma-a em canto de esperança.
Wittgenstein sublinhou que “os aspectos mais importantes da vida estão ocultos” e é isso que acontece com a amizade. Desoculta-se nos afetos que são os seus sinais no mundo da vida.
Foi isso que senti no encontro dos Olivais, com antigos companheiros perdidos, como gaivotas que foram dispersando no mar revolto da vida. Agora, voltamo-nos a reencontrar, sem a espuma do arrepio entre os rochedos do mar. Fez-se no abraço o nome de primo, como eu era conhecido.
Se eu tivesse engenho e arte fazia deste reencontro na minha terra um poema da amizade. Foi festivo o abraço entre sorrisos, que demos no Restaurante Magalhães, o local de encontro,  com o João Vinagre, o Sereno, o Eugénio, o Cabral, o Manel Mourão e quase todo trouxeram as suas esposas.
Se deus existe, e eu desconfio que pode existir, chamar-se-á amizade. Pois veio do divino este encontro, esteve connosco na igreja do Siza, em Tongobriga, na minha casa, na Casa da Quintã da Folhada e permaneceu até ao almoço do outro dia na Enoteca da quinta de Avessada, em Favaios, do meu amigo Barros.
Depois, partiram e deixaram a saudade de um próximo encontro da primalhada, como passamos a designarmo-nos.




domingo, outubro 23, 2016

 

GENTE QUE FAZ UMA TERRA DECENTE




ADRIANO JOSÉ DE CARVALHO E MELO

O Marco de Canaveses tem muita gente que fez da sua Terra uma terra decente. Basta conhecer a sua história, conhecer a postura  dos seus melhores filhos, para que nos entristeça ouvir falar do Marco de Canaveses como a terra do “mata e queima”, do Zé do Telhado ou, ainda, de algumas figuras grotescas.
Não é possível dar a conhecer todas as personalidades que nos honram como nossos conterrâneos. Mas é pena que não se faça! E não me refiro a Carmem Miranda que só se tornou notável, porque o seu pai a tirou do Marco e a levou, em tenra idade, para o Brasil. Se continuasse na terra onde nasceu (que nunca adoptou!) pertenceria hoje ao imenso número de gente desconhecida, a que ninguém  ligaria absolutamente nada.
Lá aonde estiver, a Carmem Miranda só pode agradecer aos brasileiros a notabilidade que granjeou e há-de rir-se dos marcoenses, quando se servem do seu nome para o colocar em ruas e museus e esquecem o abandono a que a votaram em menina. Podia ser uma autocrítica a relevância que lhe dão, mas parece uma festa semelhante à dos  cucos que põem os ovos nos ninhos dos outros para criarem os seus filhos.
Merecia muito mais relevância, por exemplo, José Monteiro da Rocha, Reitor da Universidade de Coimbra, criador do observatório astronómico e chefe da missão que teve como objectivo estabelecer os acordos de paz com as tropas napoleónicas. Nasceu e cresceu em Canaveses e nunca esqueceu a sua Terra. Ou, então, os criadores do Concelho, os Homens que estiveram na origem na Misericórdia do Marco, dos Bombeiros (e que nesta missão morreram) os que se distinguiram nas artes, na ciência, etc.
É este tipo de gente que me interessa! Nela poderemos configurar o sentido de ser marcoense, incapaz de renunciar à sua Terra, mas sempre empenhado em dignificá-la, sem esperar qualquer recompensa.
Precisamos de referências exemplares que estimulem a ligação à nossa Terra, façam a coesão social e cimentem os laços de confiança que promovam o gosto de ser marcoense, de investir no seu Concelho e sentir como seu sucesso, o sucesso da sua autarquia.
Aliás, não é  este sentimento que dá sentido à ideia de autarquia e de cidadania, “governo dos próprios pelos próprios”?!....
Não se constrói o espírito autárquico, sentindo-nos náufragos, numa ilha entregue a um só homem, deixando-nos à sorte dos nossos próprios recursos. Ou então, ficando como um bando de cucos, sempre à espera de ninhos onde possam colocar os seus ovos.
A  origem do concelho do Marco  não é muito longínqua. Surgiu em meados do séc. XIX. A sua criação deveu-se ao deputado da Nação, Adriano José de Carvalho e Mello, nascido no lugar da Picota, em Tuas, e por isso conhecido por sr. Adriano da Picota. E teve uma justificação forte para que a Assembleia e o Governo do reino aderissem á sua ideia.
Nessa altura, campeavam pelas diferentes comarcas grupos de pobres diabos, que, durante a noite, com armas de carregar pela boca, intimidavam viajantes para os roubar e assaltavam casas nobres para sacar o ouro e a prata que trocavam por poucas patacas nos receptores que, com isso, tal como hoje, ficavam mais ricos do que os que roubavam pela acção directa. Um desses chefes foi Zé do Telhado, um antigo combatente da pacificação de Africa galardoado com a medalha de Torre e Espada.
Abandonado pela pátria que serviu, fez aquilo que sabia fazer: comandar um pequeno grupo para defender o pão que faltava à sua família. Tornou-se, nessa matéria, um empreendedor, tão esmerado que até se dizia que “roubava aos ricos para dar aos pobres”. Se fosse hoje, e quisesse inverter a causa “roubar aos pobres para dar aos ricos”  poderia muito bem ter chegado a banqueiro.
Assaltou a Casa de Carrapatelo e matou um criado. Foi uma péssima referência para a Região. Ficando sem castigo,  manchava a própria dignidade do povo desta terra. Assim o percebeu o Sr. Adriano da Picota,  quando jurou que o prenderia.
Prendê-lo e à sua quadrilha, estivessem onde estivessem, obrigava a uma reforma administrativa que desenvencilhasse as autoridades dos empecilhos burocráticos. Não era permitido à polícia entrar numa comarca sem autorização do seu administrador. 
O deputado Adriano José de Carvalho e Mello não ficou pela retórica das boas intenções. Não separou o Zé do Telhado do seu grupo, como muitos costumam fazer, e para alargar o âmbito das investigações da sua polícia, propôs à Assembleia e ao Governo do reino que fosse unida a comarca de Soalhães à grande comarca de Benviver, que compreendia uma grande extensão, indo de Gouveia até S. Lourenço do Douro, tendo em Sande a sua sede.
Apresentou essa ideia na Assembleia e ao governo da  Coroa e lutou, sem o alardear que hoje é costume, para que  o concelho de Soalhães e de Benviver se tornassem numa única comarca, sugerindo  que o novo concelho se denominasse Marco de Canaveses.
Pelo Decreto de 31 de Março, em 1852 foi, então, criado o Concelho do Marco de Canaveses. No artº 1º estabelecia: “São reunidos num só concelho, os concelhos de Soalhães e de Benviver”.  E no artº 2º dizia-se:  “O novo concelho passa a ser denominado Marco de Canaveses” e os seus habitantes marcoenses (do Marco, escrito com “o”  não com “u”).
A esta distância, a reforma administrativa que o sr. Adriano da Picota promoveu levanta uma questão:  por que se lembrou Adriano José de Carvalho e Mello de denominar  Marco de Canaveses o novo concelho, se não há nas comarcas aglutinadas algo que deixe antever essa  designação?!...
Adriano José de Carvalho e Mello, para além de deputado, fora administrador do concelho de Soalhães, com Casa Municipal no “lugar do Marco”. Ali, antes de ser construída a casa municipal, havia um marco de pedra que limitava dois coutos que vieram a dar origem às freguesias de Fornos, S. Nicolau e Tuias. Situava-se na planura onde se levantou a Casa Municipal e, hoje, está o  edifício da Câmara Municipal.
Canaveses era uma Beetria; isto é, uma importante povoação rural que desde a alta Idade Média tinha o privilégio de escolher livremente os senhores que reunissem as melhores qualidade para defender o bem-estar do povo da localidade. Isso era a maior exigência duma povoação que tivesse  grande desenvolvimento económico e era o que lhe dava mais prestígio.
A toponímia Canaveses terá a ver com três circunstâncias: o lugar situado junto ao Rio Tâmega proporcionava a cultura do linho “cânave”. Os que o produziam eram os “canaveses”, como se dizia no português antigo. Por outro lado, por ali terá passado a estrada romana Tamacana-Via e os que ali habitavam “tamacanavienses” que se foi simplificando até canavienses e, logo depois, canaveses. Acresce, ainda, que nesse lugar também havia as “Aquae Tamacanae” conhecidas, hoje, por Caldas de Canaveses.
A simplificação fonética foi determinando que o local se fixasse em Canaveses e, como podemos inferir, com o grande prestígio que lhe vinha de ter sido uma Beetria, o sr. Adriano da Picota não teve dificuldades em convencer a Assembleia e o Governo da coroa de que o novo concelho fosse designado por  Marco (a que pertencia a  “Casa municipal”) de Canaveses, fixando a sua centralidade nesta região.
Com as condições criadas, a polícia que estava às ordens do administrador Adriano José de Carvalho e Mello foi prendendo os quadrilheiros, só escapando o Zé do Telhado. Entretanto, José de Carvalho e Mello deixou o cargo de primeiro administrador do concelho do Marco de Canaveses e foi ocupando outros cargos, como o de governador-civil de Bragança, de Braga e, por fim, Comissário da Polícia do Porto. Nunca esqueceu a sua promessa e com  estas novas competências a expensas suas (nessa altura, com o fontismo, Portugal entrou na bancarrota) mandou fardar, armar e preparar um corpo da polícia que apenas tinha como objectivo prender para ser levado à Justiça o Zé do Telhado. E conseguiu-o: descobriu-o na Ribeira do Porto, escondido debaixo de um lote de caixas de bolachas que, no barco “Oliveira” se preparava para levantar âncoras em direcção ao Brasil.
Não sabemos o que faria, hoje, o sr. Adriano da Picota, se os ladrões e seus cúmplices fossem os de colarinho branco!  Se procedesse como procedeu em relação ao Zé do Telhado, teríamos de concluir que não separava o chefe da quadrilha dos acompanhantes, os de colarinho branco dos maltrapilhos, e, por isso, sabia defender as virtudes da honra  e da dignidade que constituem o valor fundamental da democracia e da cidadania numa Terra de gente decente.
João Baptista Magalhães

quarta-feira, outubro 05, 2016

 

Agradecido.


A todos os meus amigos, companheiros ou camaradas, que vieram simpaticamente conformar-me com parabéns por mais um dia a somar a todos os dias da minha vida, venho agradecer. Vocês todos são muito gentis para comigo, mas, dentro de mim, confesso que, como Álvaro de Campos, só quero dizer:


“Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que meus pais festejavam o dia dos meus anos!...”

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