segunda-feira, setembro 12, 2016
Autorregulação ou anda em roda livre?
Simpatizo
com este governo, mas em matéria de conduta de cargos públicos fazer apelos à
consciência profissional ou de desempenho, a que chama autorregulação, não me convence. A consciência só diz o que o próprio quer que se diga. Apelar à autorregulação é como andar em roda-livre. Preferia mais rigor!
Por
exemplo, por que não colocam no articulado dos deveres de conduta, estas ideias
simples do Padre António Vieira. Ele é tão citado, por que não o levam a sério?
Bastariam
duas ideias que surgem no seu “Sermão do Bom Ladrão”! Ora reparem:
1ª
– Como introdução: “Os particulares, se lhe roubarem a fazenda, podem perdoar o
furto a quem os roubou; o Rei ou governante não administra a sua fazenda, senão a da república e, por isso não é só
responsável pelo que furta, mas também pelo que deixa furtar”
2ª- A república é a “coisa de todos” e, por isso,
os governantes não só não podem aceitar favores particulares, como devem zelar
pelas contribuições que os cidadãos entregam para o bem de todos. Assim:
Preceito
único:“(...) aquele que tem obrigação de impedir que
se furte, se o não impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou. E até os
príncipes (ou governantes) que por sua culpa deixaram crescer os ladrões, são
obrigados à restituição do que eles roubaram; porquanto as rendas com que os
povos os servem e assistem são como estipêndios instituídos e consignados por
eles, para que os príncipes os guardem e mantenham com justiça”.
3ª Seguindo o princípio da
ética da responsabilidade: responder pelas consequências de não exercer com
espírito de serviço público um cargo da República (ao receber bens privados ou ao
permitir que os ladrões de colarinho branco roubem), obriga: a demissão do
cargo e a repor com os seus bens o que os ladrões roubaram à república.
Bastavam estes três
princípios para acreditar na seriedade de um código de conduta. Assim, nunca há
consequências penais e é só poeira para olhos incautos! E o PS deveria ser
diferente.
Um almoço de caça.
Todos os anos convido alguns dos meus amigos para um almoço
de caça. No sábado passado foi o dia desse repasto anual. Houve perdizes e
veado para reconciliar um desporto muito ligado à natureza, que pratico desde
muito novo, com a amizade. Ortega e
Gasset assegura, no seu livro, “Sobre a caça e os touros”, que a mais ilustre
amizades, entre o grego Políbio e o Cipião Emiliano, foi ocasionada em torno
da caça. Já o posso confirmar! E, se a amizade se guarda no mundo da memória, nada melhor do que
fazer partilhar os amigos com o resultado de uma caçada. Só tive pena que a
maioria do grupo de caçadores, a quem devo a caçada, não pudesse aparecer. Os
que vieram, trouxeram as suas companheiras e, depois do almoço, houve fado,
fado de Coimbra, naturalmente. Foram estes, nomeadamente as baladas do Zeca, que
durante os melhores anos da nossa vida cimentaram os laços que, ainda hoje, nos
prendem. Este manjar, quase divino, realizou-se, como no ano passado, no
Restaurante Quinta do Beiral, na minha Terra, e o delicioso vinho foi do nosso amigo Miranda,
da sua produção “Quinta do Burgo”, também na minha Terra, a Folhada. No final,
como não podia deixar de ser, cantamos o adeus à Folhada, mas é só até ao próximo
ano!
quinta-feira, setembro 08, 2016
Entrevista do Juiz carlos Alexandre
Gostei da entrevista de Carlos Alexandre à SIC. Sempre
admirei o espírito de missão e, detestando a guerra, tive sempre pelos
militares grande admiração. Carlos Alexandre tem esse espirito de missão semelhante
ao militar que cumpre o seu dever de servir a Pátria. Sei que, hoje, com as
muitas situações dilemáticas com que nos debatemos, a ética Kantiana perdeu
alguma força. Mas sem o imperativo categórico, de cumprir o dever, porque é o
dever, desaparece todo o sentido da ética e da justiça. Hoje vivemos numa
sociedade que fala muito nos direitos, mas esquece os deveres e, talvez, por
isso, não faça dos valores, dos princípios e normas, que deveriam ser
integrados pela educação, tradição e cultura, os orientadores do modo de agir.
Gostei da entrevista de Carlos Alexandre. Não sei se fez ou
não sempre justiça, mas pareceu-me um homem justo, porque age por respeito a um
dever. Não é, por isso, uma pessoa de quem se possa ter medo! https://www.noticiasaominuto.com/pais/650312/juiz-carlos-alexandre-nao-sou-pessoa-de-quem-se-deva-ter-medo
segunda-feira, setembro 05, 2016
Na Senhora da Lapa
Em meados de agosto de 1774, quando os primeiros raios de Sol secavam as últimas gotas de orvalho que humedeciam as flores colocadas nas campas das videntes da Senhora da Lapa, em S. João da Folhada, ( minha Terra) , a coberto da escuridão da noite pelos seus devotos, já o coveiro de S. João da Folhada cumpria as ordens do sr. Abade: retirar todos os sinais de veneração e levá-los para local mais escondido e longínquo possível. Receava que algum dos muitos milhares de informadores do Secretário do Reino, algum visitador da freguesia ou mesmo o Abade de Jazente, Paulino Cabral, fossem levados a pensar que na sua paróquia não se cumpriam as ordens que vinham em edital do Regimento do Santo Ofício da Inquisição, aprovado, em alvará, no dia 14 de agosto de 1774, assinado por Adriano José de Carvalho e Mello e de “próprio motu, certa Sciência, Poder Real, e Absoluto”, por D. José I, determinando:
“Todo aquelle que venerar a imagem de algum defunto não beatificado ou canonizado por autoridade da Igreja, posto que morresse em opinião de santidade será asperamente repreendido… e degradado para Castro Marim ou Cidade de Miranda por três anos…
Nas mesmas penas incorrerá aquelle que sem as precisas licenças pozer ou mandar pôr na sepultura do defunto alguma táboa, panno ou rotulo de milagres seus, ou imagens de qualquer cousa pintada ou pendurada, e lhe pozer alampada ou outro lume, ou lhe der outro algum culto ou veneração”.
O Abade, José Franco Bravo, levava muito a sério o que na altura se dizia: “Onde Sebastião de Carvalho e Mello pousar a mão para dar uma ordem ficam nódoas de sague.” E havia razões para isso: Nossa Senhora recomendara às três pastorinhas que “fizessem penitência dos pecados que na Corte eram cometidos, com jejum a pão-e-água nas primeiras sextas-feiras e sábados e que recomendassem isso mesmo a todas as pessoas que encontrassem”.
Este apelo trazia-lhe à memória o Padre Malagrida e o seu livro “As Verdadeiras Causas do Terramoto”, onde defendia a ideia de castigo divino como causa da tragédia que se abateu sobre Lisboa em 1755. Foi, por isso, enforcado, e deitado ao Tejo depois de ser queimado em auto-de-fé. Sebastião José de Carvalho e Mello não podia ouvir que o divino interviesse na sua vida, o que era o mesmo que dizer, na vida da corte.
Para que ninguém caísse na imprevidência de ignorar a vontade do Marquês, o Abade da Folhada, José, Franco Bravo, anunciava a advertência nas missas e colocou o edital no portão do cemitério e na porta da sacristia. Ninguém lhe arrancava palavras sobre as aparições. Quando sobre isso era interpelado, dizia que o que tinha para dizer sobre o assunto, já o tinha manifestado nas Inquirições que o Marquês do Pombal lhe fizera. Desconfiava que o edital, que recebera, resultasse de uma delação do Abade de Jazente.
Os tempos passaram-se, aconteceu ao Marquês o mesmo que aconteceu a Caligula e, de uma forma ou de outra, há-de acontecer a todos da mesma espécie, e a celebração da aparição de Nossa Senhora, no dia 13 de Maio de 1758 foi retomada com todo o entusiasmo que a fé dos seus devotos lhe dedica.
Ontem estive lá. Jantei nesses restaurantes de festas, fui muito bem servido por uma jovem muito bonita, e, além das febras em vinha de alho, bebi o vinho que só a Quinta do Burgo, do enólogo Miranda, ali bem perto, consegue produzir.