segunda-feira, setembro 05, 2016

 

Na Senhora da Lapa

Em meados de agosto de 1774, quando os primeiros raios de Sol secavam as últimas gotas de orvalho que humedeciam as flores colocadas nas campas das videntes da Senhora da Lapa, em S. João da Folhada, ( minha Terra) , a coberto da escuridão da noite pelos seus devotos, já o coveiro de S. João da Folhada cumpria as ordens do sr. Abade: retirar todos os sinais de veneração e levá-los para local mais escondido e longínquo possível. Receava que algum dos muitos milhares de informadores do Secretário do Reino, algum visitador da freguesia ou mesmo o Abade de Jazente, Paulino Cabral, fossem levados a pensar que na sua paróquia não se cumpriam as ordens que vinham em edital do Regimento do Santo Ofício da Inquisição, aprovado, em alvará, no dia 14 de agosto de 1774, assinado por Adriano José de Carvalho e Mello e de “próprio motu, certa Sciência, Poder Real, e Absoluto”, por D. José I, determinando:
“Todo aquelle que venerar a imagem de algum defunto não beatificado ou canonizado por autoridade da Igreja, posto que morresse em opinião de santidade será asperamente repreendido… e degradado para Castro Marim ou Cidade de Miranda por três anos…
Nas mesmas penas incorrerá aquelle que sem as precisas licenças pozer ou mandar pôr na sepultura do defunto alguma táboa, panno ou rotulo de milagres seus, ou imagens de qualquer cousa pintada ou pendurada, e lhe pozer alampada ou outro lume, ou lhe der outro algum culto ou veneração”.
O Abade, José Franco Bravo, levava muito a sério o que na altura se dizia: “Onde Sebastião de Carvalho e Mello pousar a mão para dar uma ordem ficam nódoas de sague.” E havia razões para isso: Nossa Senhora recomendara às três pastorinhas que “fizessem penitência dos pecados que na Corte eram cometidos, com jejum a pão-e-água nas primeiras sextas-feiras e sábados e que recomendassem isso mesmo a todas as pessoas que encontrassem”.
Este apelo trazia-lhe à memória o Padre Malagrida e o seu livro “As Verdadeiras Causas do Terramoto”, onde defendia a ideia de castigo divino como causa da tragédia que se abateu sobre Lisboa em 1755. Foi, por isso, enforcado, e deitado ao Tejo depois de ser queimado em auto-de-fé. Sebastião José de Carvalho e Mello não podia ouvir que o divino interviesse na sua vida, o que era o mesmo que dizer, na vida da corte.
Para que ninguém caísse na imprevidência de ignorar a vontade do Marquês, o Abade da Folhada, José, Franco Bravo, anunciava a advertência nas missas e colocou o edital no portão do cemitério e na porta da sacristia. Ninguém lhe arrancava palavras sobre as aparições. Quando sobre isso era interpelado, dizia que o que tinha para dizer sobre o assunto, já o tinha manifestado nas Inquirições que o Marquês do Pombal lhe fizera. Desconfiava que o edital, que recebera, resultasse de uma delação do Abade de Jazente.
Os tempos passaram-se, aconteceu ao Marquês o mesmo que aconteceu a Caligula e, de uma forma ou de outra, há-de acontecer a todos da mesma espécie, e a celebração da aparição de Nossa Senhora, no dia 13 de Maio de 1758 foi retomada com todo o entusiasmo que a fé dos seus devotos lhe dedica.
Ontem estive lá. Jantei nesses restaurantes de festas, fui muito bem servido por uma jovem muito bonita, e, além das febras em vinha de alho, bebi o vinho que só a Quinta do Burgo, do enólogo Miranda, ali bem perto, consegue produzir.

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