terça-feira, junho 04, 2013

 

Tempos de solidão

Para o Semanário Grande Porto enviei, hoje, este texto. Nele vai a minha homenagem a um livro de poemas (Pátria) de um desembargador que vive na minha Terra. Fez-me lembrar Guerra Junqueiro e, embora mais de um século os separem, muitas coincidências encontrei nos poemas.


O exílio não acontece apenas quando se é forçado a deixar a pátria, que também significa terra e mãe.

Há um exílio forçado da gente da minha geração, da que acreditou que a liberdade era mais do que poder ir ao cinema ou ficar em casa, que as eleições não eram, como no seu tempo, um ritual sem significado e lutaram por uma democracia que não se reduzisse a um jogo de poder num teatro de ilusões.

Há um exílio para quem lutou contra uma guerra injusta e, agora, vive a guerra que lhe é declarada ao seu salário, à sua dignidade, ao emprego dos seus filhos, aos direitos que tinha adquirido.

Há um exílio para quem ajudou a construir um país mais justo e humano, onde ninguém se sentisse um descartável e a democracia fosse o regime da responsabilidade no diminuir o sofrimento dos que mais sofrem; onde se respondesse às críticas e, quando estas não fossem suficientemente convincentes, não dessem a satisfação ao que se exigia, o governo fosse substituído.

O desencanto do tempo em que vivemos é um corte abrupto com a terra dos nossos valores, com o tempo que nos fez sonhar para melhor viver.

Sentimos que vivemos numa outra terra, num outro tempo, num outro mundo em que apenas conta o imediato, tudo é relativo e todos os valores e princípios são descartáveis. Fomos forçados a um exílio que não merecíamos, separaram-nos das nossas raízes, dos nossos valores e projetos.

Negam-nos o direito à nossa própria pátria e vivemos exilados numa solidão. A saída deste sofrimento é o mergulho na poesia. Só aqui ainda fica aberto o espaço do combate, da denúncia das gangrenas que nos definham e da autofagia para onde nos empurraram.

Foi este o espaço que encontrou Guerra Junqueiro para deixar pulsar em lírica a dor de alma por ver a pátria “ocupada” pelo Ultimato Inglês, “governada por batoteiros, onde o estado era o Rei, o cidadão era o governo, os deveres eram nossos e os direitos dele”.

O mesmo sentimento se tem hoje numa Pátria ocupada pela Troika, onde a política é para os fura-vidas, os pantomineiros, “o poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo” e o poder entregue a “dois partidos, sem ideias, sem planos, sem convicções”.

Não podemos, por isso, estranhar que passado mais de um século surja um livro de poemas, intitulado “Pátria”, editado na terra que gerou a Pátria, pela editora “Cidade Berço”.

O seu autor foi juiz desembargador e, por alguma razão, diz na dobra da capa do livro que se aposentou voluntariamente. É admirável o seu poema “Das leis”.

António Augusto Tavares é o seu nome e os portuenses conhecem-no por ter sido juiz instrutor de um processo que, em tempos, ocupou as parangonas dos jornais e ficou conhecido por “sãobentogate”.

Neste tempo de solidão, a “Pátria” de António Augusto Tavares (vejam “Fim de época” ou “Pátria”) constitui o mesmo lenitivo que Guerra Junqueiro encontrou no seu poema “Pátria”

Nos dois poetas, com mais de um século de distância, uma lírica semelhante promove o mesmo sobressalto cívico de indignação contra o que mina a dignidade da Pátria.

Vale a pena ler o livro!


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