segunda-feira, março 27, 2017
Segundo encontro
Na antiga China, havia a tradição do Imperador, no primeiro
dia da Primavera, abrir o primeiro sulco da terra. Essa cerimónia simbolizava a
reconciliação do mundo profano com as forças do espírito. Assim acontece com a
amizade. Não há a possibilidade de encontrar um sentido para a amizade, sem
reconciliarmos os sulcos que o mundo da vida da adolescência cavou com a vida
do espírito que alimentou esse mundo.
A nossa amizade está presa a essas raízes. Podemos ter
mudado de convicções, podemo-nos ter separado pelos modos de ver o mundo e a
vida, mas o que nos liga emerge do mais profundo, dessa âncora onde ficam os
sulcos que prenderam as nossas raízes.
Por alguma razão na antiguidade clássica, a memória era
personificada por uma deusa: a Mnemosyne, mãe das musas e responsável pela
inspiração dos poetas.
Este encontro foi na planície alentejana. Por aí andamos
dois dias, passamos pela Vidigueira, ouvimos os cantares alentejanos, fomos a
Moura, onde a saudade do meu amigo José Cunha me perseguiu (por onde andará
ele?) e regressamos a Alcochete.