quinta-feira, maio 29, 2014

 

Os monges de Salamanca

Há por aí muita gente a diabolizar Marinho Pinto, sem se interrogar sobre as causas que levaram muita gente boa, inteligente e patriótica (como nós) a votar nele. Essa gente assemelha-se aos monges de Salamanca, nos finais da Idade Média. Nos finais da Idade Média, os monges de Salamanca tornaram-se politicamente correctos, ao exclamarem perante Isabel, a Católica: “Deus afaste de nós o maléfico vício de pensar!” Anos depois, Descartes abria as portas à modernidade, afirmando:”Não é suficiente ter bom espírito, mas o principal é aplicá-lo bem”. E justifica: “As maiores almas são capazes dos maiores vícios e das maiores virtudes, se não seguirem o caminho do melhor uso da razão: o de pôr tudo em dúvida”. E porquê? Ele próprio explica: “só fica esclarecido quem dissipou as suas próprias dúvidas”. Quem não encontrou razões para esclarecimento não suspeita de estar enganado. E não percebe quais são as razões que possam justificar determinado procedimento, nem fica com a luz do pensar que potencializa a descoberta das melhores ideias para melhor orientar a sua acção. Foi a ideia de que a razão ilumina a verdade que a modernidade se impôs, contra as ideias da Idade Média. Mas a própria modernidade foi posta em causa. Com a teoria da relatividade e as matemáticas não euclidianas, começou-se a pôr em causa a ideia da modernidade de que só há uma razão única e universal. Passou-se a aceitar que havia várias razões inerentes a diferentes modos de ver ou paradigmas. A ideia de paradigma terá surgido a Wittgenstein, um filósofo austríaco, considerado por muitos, o maior filósofo do século XX. No seu entender, o conceito não só significa “um modo de ver” ou “sistema de crenças” como também “uma técnica de operar”. O “modo de ver” configurado por um paradigma tem, segundo o Filósofo, um papel análogo ao de um par de óculos com certas características (por exemplo, cor e graduação com que vemos as coisas). O mundo, as nossas certezas, não se conhecem em si mesmas, independentemente do nosso modo de ver. Estão moldadas pelos óculos ou crenças que temos. O diálogo entre paradigmas ou modos de ver abriu espaço á tolerância e tornou a verdade no melhor denominador comum. Para encontrar essa convergência não serve usar o espirito matemático: é necessário o espírito hermenêutico; isto é, procurar as razões que me levam a pensar como penso, que me levam a ver o mundo como o vejo, a ter as crenças que tenho. Ora, para conseguir isto é preciso grande liberdade de pensamento e muita humildade e, sobretudo não julgar que as nossas ideias são únicas e irrefutáveis. Talvez, por isso, em vez de diabolizar o Homem, seja Marinho Pinto ou António Costa, o melhor é reflectir por que há muita gente a apoiá-lo, a encontrar sentido na sua candidatura!

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