sexta-feira, novembro 08, 2013

 
Os deserdados da democracia

No rescaldo do holocausto nazi, muitos intelectuais, nomeadamente o filósofo Jacques Maritain, interrogaram-se: “Por que é que as democracias não evitaram a guerra?”

A conclusão foi óbvia: as democracias que intercalaram as duas guerras mundiais abandonaram os seus princípios e valores e deixaram-se conduzir para o descrédito por uma classe dirigente corrupta e burocrática.

Os gregos viam na democracia mais do que um sistema de maioria; era uma maneira humana de viver com dignidade, onde o cidadão se dignifica pela participação num Estado que cultiva o bem-comum.

Tal como no tempo que intercalou as duas guerras mundiais, os valores, princípios e expectativas que a democracia criou e marcaram a nossa civilização foram-se perdendo.

Vivemos, hoje, um tempo de agonia: o mal-estar social vai crescendo, a abstenção, nas últimas eleições, subiu para 47% e cerca de 7% dos votos foram considerados nulos por aparecerem com insultos e desenhos pornográficos.

A proposta de orçamento para 2014 denuncia a inutilidade dos sacrifícios do anterior orçamento e gera a sensação de mais inutilidade nos sacrifícios que são impostos, sobretudo a reformados, viúvas e funcionários públicos, que nunca foram tão mal tratados.

É certo que no tempo do fascismo, tinham sobre si o olho policial, mas a carreira de servidores do Estado era protegida e prestigiada. Reconhecia-se a sua elevada competência e serviam de referência para o sector privado. Nessa carreira, estiveram historiadores, romancistas, artistas e poetas, como Eugénio de Andrade. Seria de esperar que a democracia lhes confirmasse esse reconhecimento e que o saber e experiência que foram acumulando fossem aproveitados para, independentemente dos governos, assessorarem a gestão da “coisa-pública” com pareceres técnicos e estudos, uma vez que eles, melhor do que ninguém, conhecem por dentro o que faz a ineficácia do aparelho do estado.

Mas, em nome da confiança política, o chamado “arco do poder” começou a nomear os seus “boys” para cargos do topo da administração pública e, logo a seguir, o poder do estado foi substituído pelo poder de interesses privados, incrustados aos governos, através de gabinetes de advogados, consultores e assessores.

Foi dito pelos representantes da Troika que não eram eles que indicavam o plano dos cortes, mas apenas o montante dos mesmos. O Governo fez a sua opção: impõe 80% dos sacrifícios a reformados, viúvas e funcionários públicos e, nem no tempo de Salazar, esta gente foi tão espezinhada.

Obama chamou-lhes “sacos de murros” e este Governo faz deles os “bombos da festa” da austeridade. E há uma explicação: dos 230 deputados, 117 do “arco do poder” acumulam funções parlamentares com outras actividades profissionais no sector privado, e, em muitos casos, em empresas que prestam serviços de consultoria ao próprio Estado. No índice PSI 20, das 20 empresas cotadas, 16 têm, em cargos de administração, ex-políticos.

A democracia está capturada por interesses particulares, perdeu a sua força moral e, nela, o voto já não impede a brutalidade do arbítrio.

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