quinta-feira, setembro 19, 2013

 

Dever de autocrítica

O "Público" publicou, hoje, um texto que escrevi e passo a transcrever:http://www.publico.pt/opiniao/jornal/dever-de-autocritica-27117104. A minha geração é, na verdade, a grande responsável pelo pântano político que hoje se vive. É certo que foi uma geração muito sacrificada e muito generosa: bateu-se contra o fascismo, sofreu os custos de uma guerra colonial, ergueu a bandeira da liberdade, da justiça social e da democracia e lutou por esses ideais, muitas vezes, até á morte, como aconteceu ao meu amigo Daniel Sousa Teixeira. Celebrou o 25 de Abril como a festa da sua vida e em cada cravo que apertou ao peito via o afeto e a inteligência a conjugarem-se no rasgar futuro, um futuro melhor para os seus filhos, os seus netos e seus concidadãos. Mas não soube, perante o desabamento das ideologias com a queda do muro de Berlim, unir-se em torno de valores e princípios que, atravessando todos os partidos, defendessem a genuína natureza da política, tal como vem do tempo dos gregos: gerar esperança e não ser uma vigarice feita por gente sem escrúpulos, como acontece hoje! Podiam ter sido criadas regras que impedissem o desprezo das instituições, que a política não se fizesse à margem da responsabilidade, que a pressão dos aparelhos partidários não colocasse em importantes cargos da administração pública quem não tem preparação, nem sensibilidade, nem capacidade para os exercer e, ainda por cima, com níveis de remuneração e privilégios obscenos, que as elites locais não fossem marginalizadas e, sobretudo, não se desprezasse a verdade e a inteligência. Isso não aconteceu e, hoje, ainda bem perto do 25 de Abril, nunca nos sentimos tão distantes da Revolução dos Cravos. A vida política vive da agenda mediática num mundo de conveniências e jogos de ilusões. Sente-se, como diria Nietzsche, uma depreciação mórbida de todos os valores e princípios. Não se ouve um pensamento sobre o País, sobre uma autarquia, sobre um problema concreto. Se quiséssemos encontrar um exemplo da qualidade da vida política, bastava-nos olhar para o que acontece nestas eleições autárquicas. Não há debate, porque a comunicação não se faz, quando se despreza o valor da verdade e da responsabilidade. E é por isso que, quando aparece alguém com valor, emergindo das elites locais, que fez currículo no interior da vida empresarial e ganhou prestígio civil e está à margem do artificialismo bluffeiro da vida partidária, logo é, pelo próprio sistema, marginalizado, colocado fora dos “sound bytes” que ecoam nos títulos dos jornais e nos entram em casa pelos canais da TV. Nesta campanha autárquica, as televisões só aparecem onde vão os membros do governo ou os dirigentes partidários e, assim, de uma penada, os candidatos independentes ficam retirados dos écrans desses canais de informação. E com essa pressão mediática, sem a desconstrução da demagogia e do populismo, as escolhas eleitorais deixam de ser orientadas pela razão e ficam à mercê da manipulação mais grosseira. Como se pode perceber que, numa época de terrível constrangimento económico e financeiro, fique sem censura cívica os balúrdios gastos por uma propaganda feita de churrascos e Quins Barreiros, com cartazes por todo lado, ultrapassando já 70% do limite fixado por lei? Será que alguém, que ponha a razão a funcionar, acredita que Meneses vai baixar em 30% as rendas dos bairros sociais, cobrir 65 recintos desportivos, construir túneis rodoviários e não sei mais o quê? Será que quem se queixa das assimetrias entre o litoral e o interior pode deixar de problematizar uma gestão do Concelho de Vila Nova de Gaia que desenhou duas imagens: a do litoral, moderna e rica; e a do interior, atrasada e pobre? Será que não dá que pensar a situação financeira de Gaia, o elevado custo da água nessa autarquia, o passado de Meneses, com as suas promiscuidades entre política e futebol, o seu apoio, enquanto dirigente distrital, a Ferreira Torres, no Marco de Canaveses, contra a Comissão Política Concelhia do seu partido, só pela sofreguidão de averbar para o seu currículo uma vitória eleitoral? Será que os cidadãos da Leal e Invicta Cidade não entendem que os custos da campanha de Meneses esperam, no fim da linha, o desembolsar dos contribuintes? Será que os portuenses vão recusar a oportunidade de terem à frente da sua cidade um gestor de reconhecido mérito e que faz das boas contas o seu compromisso com a Cidade? Espero que no futuro não nos envergonhemos de continuar a premiar o populismo, a demagogia e o espetáculo de ilusões.

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