quarta-feira, março 20, 2013

 

Resgatar o “Espírito europeu”

Enviei para o Semanário Grande Porto o seguinte texto:

O que definiu e organizou a noção de Europa não foram as suas fronteiras geográficas, mas o que Husserl chamou o “espírito europeu”, construído a partir de heranças de diferentes culturas: cristianismo, filosofia grega, direito romano, comunitarismo das tribos invasoras, etc.

O individualismo humanista, que, desde Protágoras, anunciava que “o homem é a medida de todas as coisas”, recebeu do cristianismo a capacidade de promover o diálogo entre a razão e a fé. E, nesse diálogo, desenvolveu a solidariedade na luta contra a tirania, a exclusão e a pobreza, tomando a direcção oposta à do Leviatã que fazia do “homem lobo do homem”.

Foi este “espírito” que se tornou no “espírito europeu”. Nele, se gerou a noção de progresso, associada a uma caminhada em direção à felicidade humana. E os passos que marcaram a sua história foram sucessivamente identificados com conquistas dos direitos humanos: cívicos, políticos, sociais, da qualidade de vida, ambientais, etc.

Mas, como diria o Filósofo da consciência, o “espírito” que criou a Europa e europeizou o mundo entrou em crise logo que o individualismo rompeu com o humanismo, sucumbindo ao egoísmo, à hostilidade e à barbárie.

Nessa altura, tal como num iceberg, a parte visível surge, em toda a sua força e monstruosidade, na brutalidade da fome, do desemprego, da miséria e da morte: sejam elas geradas por duas guerras mundiais, ou, como acontece no tempo em que vivemos, de uma forma menos brutal, mas tão cruel, com as imposições duma Troika ao serviço do imperialismo financeiro. Mas, a parte escondida, a mais profunda, esconde a crise do pensamento reflexivo e humanista, a incapacidade de pensar a vida, de rasgar esperança e dar um sentido ao futuro.

A doença do “espírito europeu” procura dissimular-se entre os conceitos de “ajustamento” e “austeridade”, mas a sua natureza está em subjugar a dignidade do homem às leis do mercado, em deixar que o pensamento mercantilista se torne na única razão da existência do cidadão europeu, em permitir que o imperialismo financeiro seja tão cruel como foram os ditadores mais sangrentos que dominaram a Europa.

Por ironia da história, a cura desta enfermidade parece voltar novamente de fora da Europa.

O cristianismo, que moldou o “Espírito europeu” na direcção do humanismo, regressa, agora, das “Terras do fim do mundo”. Parece vir pela mão de Francisco, o que, como “Assis”, se despoja de todas as grandezas para servir os mais pobres e dizer que a fome, a miséria e o desemprego são atentados aos direitos humanos – os tais direitos que foram exaltados por essa ideia de progresso que fez a aventura do “espírito europeu” na direcção de um mundo mais justo e mais humano.

Sentimos que pode vir do novo Papa o apelo a uma refundação duma Europa doente, de joelhos perante a tirania do capital financeiro, e que precisa de ser resgatada para retomar o espírito que humanizou a Europa e europeizou o mundo.

Oxalá que seja assim!


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