segunda-feira, janeiro 14, 2013

 

O estado social é um investimento e não um custo

A propósito da questão que o Governo debate às escondidas, escrevi, para o Semanário Grande Porto, o seguinte texto:

A questão: “Que Estado social queremos para os impostos que estamos dispostos a pagar?” é, não só, uma questão mal colocada, como eivada de um preconceito ideológico.

E é espantoso que seja um governo dito social-democrata a escolher esta forma de colocar o problema, sendo certo que a social-democracia se configurou em torno dos princípios do Estado-social. É triste ouvir-se elogiar a inteligência de um ministro das finanças e verificar que essa inteligência se torna cada vez mais inútil, quando não serve para acertar nas previsões que o próprio anuncia ou quando não retira ensinamentos do que aconteceu com a Grande Depressão dos anos 30 ou com as consequências da aplicação na América Latina, nomeadamente no Chile, da receita que nos quer aplicar. E é confrangedor que esqueça Roosevelt e, obstinadamente, siga Milton Friedman, uma espécie de António Borges de Pinochet.

Estamos a viver uma situação semelhante à vivida na República de Weimar e só esperamos que os cortes nos apoios sociais não gerem o mesmo efeito, promovendo a ascensão de um outro führer.

Este Governo, em nome da Troika, quer recuperar uma ideia retrógrada do neoliberalismo, já sobejamente demonstrada como errada, de que os direitos sociais são custos insuportáveis e responsáveis pela crise financeira e pela ausência de crescimento económico. Nesse sentido, estabelece uma espécie de relação estímulo-resposta entre os impostos que se pagam e o estado social que se quer. Mas, numa sociedade, tal como num organismo vivo, tudo está ligado a tudo.

Como se pode apelar ao empreendedorismo, diminuindo o apoio à educação, às universidades e desvalorizando os professores? Como querer aumento de produção retirando apoios à saúde e à segurança social? Como esperar que a economia e os negócios cresçam, sem perceber que as políticas sociais são vitais para esse crescimento?

O problema não é saber “que Estado social temos de definir para o dinheiro que temos”, mas onde temos de cortar (e há muito onde fazê-lo!) para manter o Estado segundo a Constituição que temos e os valores que representam a civilização a que pertencemos.

Os portugueses não querem que a taxa de mortalidade infantil aumente por falta de cuidados de saúde; que a esperança de vida diminua por cortes no apoio à terceira-idade; que a violência aumente por cortes nos subsídios de desemprego; que os roubos cresçam por falta de apoios sociais; que a ordem e o direito não se imponham por falta de polícias e de tribunais; que o interior esteja contra o litoral, os velhos contra os novos, o público contra o privado por falta de solidariedade social.

Os portugueses querem que sejam colocadas as questões que devem ser colocadas para não se criar uma cortina de fumo sobre a realidade que pretendem esclarecida.

Precisamos de manter a dignidade a que temos direito e que não se abram, mansa e troikamente, as portas de um Estado salazarento, do pé descalço e da mãozinha esticada.

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