terça-feira, novembro 13, 2012

 

Uma polémica com sentido.



Enviei para o Semanário Grande Porto, o seguinte texto:
"A polémica criada pelas declarações de Isabel Jonet faz todo o sentido. Não está em causa a sua dedicação ao Banco Alimentar contra a Fome, nem o deixar de admirar o seu generoso contributo para minorar o sofrimento dos mais pobres. O que está em causa é a concepção dos motivos da pobreza e com eles a forma de entender o papel do Estado.

Temos de enquadrar a polémica num contexto em que de um momento para o outro ficaram sem hipótese de emprego cerca de dois milhões de pessoas e, todos os dias, são declaradas insolventes dezenas de pequenas e médias empresas. Esta situação é vivida de forma revoltante, quando sentimos que, de uma forma brutal, foram postos a pagar uma crise os que dela não podem ser responsabilizados. E, porque o prenúncio da pobreza nos faz sofrer tanto, corroendo o próprio sentido da vida, procuramos espantá-lo da nossa imaginação, colocá-lo bem longe do nosso horizonte de vida como forma de sobrevivermos.

Isabel Jonet, possivelmente de tanto viver a situação dos pobres, não avaliou o impacto que poderia ter declarações que pareceram sugerir o elogio dessa pavorosa ameaça que retira a dignidade às pessoas e todos os dias cresce, de forma imerecida, na maioria dos portugueses. E foram tão inoportunas, quanto se assemelharam à tirada de um tal Relvas: “Temos de empobrecer”!

Até ao século XIX, considerava-se absurdo pensar em abolir a pobreza. Apareceram, inclusivamente, teorias, como as de Thomas Malthus, que justificavam a pobreza pela falta de determinação e força de vontade dos próprios pobres para trabalhar. E o protestantismo calvinista (que permanece nos povos do Norte) ainda considera que a riqueza material é um sinal de Deus, que nela premeia as virtudes do trabalho; e a pobreza uma clara marca da condenação pelo desprezo dessa virtude: “os eleitos são ricos e os pobres ímpios”.

Após a Segunda Guerra Mundial, face à situação de miséria deixada pela guerra, reconheceu-se que o Estado não se podia colocar à margem do bem-estar dos seus cidadãos. A pobreza passou, então, a ser entendida como uma indignidade, cujas causas sociais, políticas e económicas tinham de ser combatidas num Estado de direito.

Os direitos sociais (direito ao trabalho, à educação, à saúde e à proteção na velhice, na maternidade e no desemprego) passaram a ser um sinal de uma civilização moderna e o Estado caritativo, próprio dos tempos medievais, em que os monarcas delegavam (como parece acontecer com este governo) nas ordens religiosas e nos filantropos o afã de servir com caridade os pobres por amor a Deus, foi considerado cínico, iludindo os pobres com as migalhas da mesa dos ricos.

Não admira, por isso, que as declarações de Isabel Jonet tenham causado tanta indignação. É que nos revolta um retrocesso civilizacional: a possibilidade de um regresso aos tempos medievais do Estado caritativo".


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