sábado, outubro 13, 2012

 

Esperava-se outras palavras do Sr. Cardeal Patriarca.

Com um sentimento de tristeza, passei a escrito as ideias que foram deslizando no meu pensamento e fez o texto que transcrevo e já enviei para o Semanário Grande Porto.

“Esperava-se outras palavras do Sr. Cardeal Patriarca.

Há palavras muito difíceis de compreender, vindo elas de quem vêm. O Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa afirmou que as manifestações de rua “são uma corrosão da harmonia democrática da nossa Constituição e do nosso sistema constitucional”.

Esperava-se que o Sr. Cardeal dissesse que o nosso sistema constitucional está a ser corroído com o esvaziamento dos direitos sociais, com os mais de dois milhões de desempregados ou à procura do primeiro emprego, com a emigração de gerações que não encontram na sua Pátria o pão necessário à vida, com o roubo dos ordenados, desprezo pelos direitos adquiridos, indiferença pelos que precisam de cuidados de saúde, proteção na velhice e educação para os filhos, com a tirania dos impostos, a diminuição de rendimentos, a eliminação de direitos laborais, a recusa de uma mãe poder ter filhos por razões de desemprego ou insegurança económica, com os suicídios que crescem em quem perdeu o sentido da vida com a vergonha de uma miséria imerecida, com a perda da esperança no futuro, o medo crescente do desamparo económico, na saúde, na justiça, na educação e na velhice.

Esperava-se que o Sr. Cardeal lembrasse que a Constituição não se cumpre com a desvalorização do trabalho, o tráfico de influências, a fraude, a corrupção, um sistema partidário que criou oligarquias e cava cada vez mais fundo um divórcio entre os eleitores e os eleitos. E, ainda, quando o grande crime é guardado por gabinetes de advogados que inventam uma ficção de legalidade com uma virgula aqui, uma assinatura ali, um despacho mais à frente e, sobretudo, muitas marcações de almoços nos corredores do poder.

Esperava-se que o Sr. Cardeal não se esquecesse que a crise foi criada por garantias que, em nome do Estado, foram dadas a empréstimos para projetos que só beneficiaram alguns, pelo abuso de confiança, como o que aconteceu com o BPN, pelo desvio dos fundos sociais europeus, como o que é noticiado em relação ao projeto Tecnoforma a que o primeiro-ministro e um tal Relvas estão ligados, pela falta de regulação, ética de Estado e sentido do bem comum.

O Sr. Cardeal considera a crise um fatalismo, uma espécie de maldição que o povo, que nenhum pecado fez para que isso acontecesse, tenha de espiar, e não se refere às organizações criminosas que se aproveitam da mesma para lucros fabulosos, desumanos e terroristas.

O Sr. Cardeal Patriarca nada diz sobre a “questão social” do nosso tempo, sobre um capitalismo financeiro que esmaga a indústria, o comércio, a agricultura e todos os que precisam de trabalhar para viver e alimentar a sua família.

Tenho pena, muita pena, que o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, tantos anos depois do 25 de Abril, depois do Vaticano II, de um D. Hélder da Câmara, de um D. António Ferreira Gomes e de tantos outros que viram no Sermão da Montanha o sentido da democracia, pareça colocar-se do lado da “religião” dos goldmen boys.

Tenho pena, muita pena, que o Sr. Cardeal de Lisboa siga o raciocínio do seu antecessor, Cardeal Cerejeira, e não compreenda que os direitos do Homem só se tornam possíveis pelos direitos dos cidadãos, que, só no quadro do exercício da cidadania, é possível melhor estado e que ser cidadão é criar expectativas, tomar a palavra para as defender e exercer o dever de se manifestar solidariamente na luta pelo direito ao pão, ao trabalho e à justiça.

Tenho pena, muita pena que as palavras do Sr. Cardeal Patriarca nos queiram fazer desistir do país e não tenham servido para contrariar a ideia de que “a religião é o ópio do povo”, tal como Karl Marx, em tempos semelhantes aos que hoje vivemos, pensou”.


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