segunda-feira, setembro 10, 2012

 

Proliferam as seitas.

Enviei para o Semanário Grande Porto este texto:


De aldeia em aldeia, vai sendo anunciada a “boa-nova” por seitas religiosas que vão ganhando adeptos por todo o País. Abrem a Bíblia, apelam à resignação e, em troca, garantem a felicidade no outro mundo.

A proliferação de seitas resulta da fragilização humana que vem dos medos do que poderá ser o amanhã, da descrença de tudo o que até agora ainda servia de referência, descrença não só da religião tradicional, mas também dos políticos, dos partidos, das instituições, do próprio sistema democrático e, de forma mais brutal, deste Governo.

Nenhum governo foi capaz de produzir na nossa consciência coletiva tanta insegurança, tantos receios, tanto sentimento de deriva, como este. Só no tempo de Salazar havia coisa parecida, mas, nessa altura, a pressão da tradição ajudava a Igreja Católica a dar um sentido ao desalento.

Mas a tradição já não é o que era e a desilusão tornou-se na nossa doença coletiva, como diria Pessoa, “cansaço de viver” uma vida que deixou de se assemelhar à vida que julgamos ter direito a viver.

Não se vê como sair de um desespero que faz uma revolta surda. Somos vítimas dos desmandos de outros, desenraizaram-nos da nossa história, dos nossos valores e Portugal já não é a pátria onde nascemos, criamos os nossos filhos, nos orgulhávamos da sua história e sonhávamos com um futuro de vida melhor.

Fizeram de Portugal uma coisa que é vendida em papel de celofane para nos emprestarem dinheiro que logo escorrega para os bolsos de quem nos desgraçou.

Portugal converteu-se num sitio de onde se quer fugir, envergonhados de uma crescente miséria imerecida. A economia deixou de ter uma função social para visar apenas o lucro e o desemprego fez um rasgão na nossa coesão social.

Já não vivemos como um povo, mas como uma multidão desesperada. Ninguém leva a sério a retórica dos maiores partidos mergulhados na suspeita e na corrupção moral, a democracia converteu-se num regime de uma nomenklatura e já nem sequer representa os interesses de uma maioria. Cimentou-se a ideia de que somos governados por mixordeiros que dizem uma coisa e fazem outra, aparentam ser o que não são, não têm carácter, rompem à medida dos seus interesses todos os contratos eleitorais e sociais e subjugam-nos com um cenário esotérico: apresentam-nos, como salvadores, uma espécie de força do mal (a que chamam troika) que comanda, pelo absurdo, as nossas vidas concretas.

Neste contexto de irracionalidade e deriva, as promessas deste mundo são ocas, não inspiram confiança. A própria religião tradicional, com honrosas exceções, esqueceu o Deus que se fez homem para dar um sentido a este mundo, correr com os fariseus e os vendilhões dos templos. O uso da razão ficou sem apoios, sem lideranças que enquadrem a luta por um mundo melhor. Não nos admiremos, por isso, que o regredir na economia, na cultura, na dignidade da nação, nos direitos sociais, políticos e cívicos esteja a lançar os mais desesperados para os braços das seitas, como se atiram as crianças sem afetos para o colo das amas assalariadas.


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