quarta-feira, junho 20, 2012

 

A ansiedade, a incerteza e o medo


Enviei para o Semanário Grande Porto este texto de opinião:

O maior paradoxo da situação política que vivemos reside no facto das instituições criadas para controlar o medo produzirem exatamente o contrário: é o medo de ficar sem tribunais, sem escola para os filhos, sem trabalho, sem proteção contra o arbítrio do patrão, sem médico, sem polícias, etc.

Em cima do medo, pesa o cansaço de sentir que as leis perdem força em relação aos mais frágeis; que, em nome da segurança do Estado, um big brother ameaça devassar a privacidade para servir um capitalismo de relações; que se invoca a ideia de reformas do Estado para tratar as nossas vidas como uma qualquer mercadoria; que se fala da dívida pública como um pecado mortal de anteriores políticos para permitir que um punhado de especuladores dos mercados financeiros empurre o Estado para a falência com as consequências trágicas que todos os dias verificamos: desemprego, subemprego, miséria e suicídio. Pesa, ainda, a desilusão que a burocracia cria à iniciativa, a corrupção que campeia sob a forma de gabinetes de estudo, grupos de pressão e redes e influência. Pesa, ainda, o sentimento de apoucamento dos funcionários públicos e pensionistas, tratados por “essa gente”, a quem, com essa retórica de enfado, retiram o 13º mês e o subsídio de férias, tratados sem a dignidade de servidores do Estado que nunca fugiram ao fisco.

Somos o país da Europa onde a discrepância entre ricos e pobres é maior, onde um darwinismo social faz com que os ricos sejam cada vez mais ricos e em menor número e os pobres cada vez mais pobres e em maior número.

É significativo que os pobres já quase atinjam os três milhões e o salário mínimo seja o mais baixo da Europa, ao mesmo tempo que o Estado desembolsa mais de seis mil milhões de euros na insolvência do BPN, sem se preocupar em responsabilizar os que beneficiaram de tanta roubalheira.

Neste contexto, é evidente o colapso do que define a própria democracia: a instituição do contrato social. Recusa-se ao cidadão o reconhecimento de ser sujeito protagonista do seu futuro e a administração da “coisa” pública não só não se harmoniza com a Constituição da República como já nada tem a ver com as promessas feitas em campanha eleitoral.

Tudo fica fora de controlo do cidadão e das suas organizações de classe. O rumo dos portugueses é incerto, traz temor e ansiedade. Os psiquiatras conhecem bem esta realidade e só por delírio cínico se pode invocar a ideia de responsabilidade e resiliência para justificar uma “estabilidade”, que em muito se assemelha ao que se passa num funeral.

Se não for contrariado este desânimo, este cansaço, esta ausência de esperança que o desfasamento entre as políticas e a realidade humana vai cavando, fica aberta a porta a uma nostalgia fabuladora do passado que promoverá, como na Grécia, o “Amanhecer Dourado”.


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