quinta-feira, abril 19, 2012

 

Sem futuro, a vida é uma “vidinha”!

Enviei para o Semanário Grande Porto o segunte texto:

As imposições da Troika tornam evidente que Portugal perdeu soberania. Não foi a primeira vez que isso aconteceu e, também, não é nisso que somos originais. Mas também é certo, que a história das nações nos revela exemplos em abundância de que essa situação, quase sempre, tem consequências terríveis. Foi no apelo ao orgulho da soberania nacional, que os totalitarismos ganharam força e tiranizaram povos.

Talvez fosse acertado reflectir sobre esta questão, tentar perceber de que forma se pode evitar que, num povo, o sentimento de perda de soberania derive para a desconfiança da própria democracia.

Um dos filósofos que melhor refletiu sobre as condições que moldam o totalitarismo, foi Ortega e Gasset. E, como prolifera, entre nós, gente que se diz social-democrata, nada melhor do que recorrer a um defensor confesso desse sistema, como foi Ortega, para pensar sobre as causas da deriva totalitária.

No fascículo “Sobre o fascismo” das suas “Obras Completas”, o Filósofo propõe-nos, para reflexão, uma ideia-chave: o totalitarismo utilizou a seu favor o desinteresse pela democracia causado pelo apoucamento dos sucessos do passado, gerados na liberdade e na pluralidade de opiniões. Esconder ou desconsiderar os motivos de orgulho do passado ou, ainda, denegri-los para justificar medidas impopulares do presente é uma forma de impedir que um povo se apegue às suas virtudes, desenvolva a autoestima necessária para enfrentar os problemas com que se debate.

Nenhum povo desenvolve a confiança na sua capacidade para superar os seus problemas, se não é estimulado nem envolvido na resolução dos mesmos. E, segundo Ortega, isso resulta do separar a política da vida social e da incapacidade de compreender, como acontece com os tecnocratas, que os problemas sociais têm de ser analisados mais com a sensibilidade do que com a razão.

O Filósofo considera que a principal característica do totalitarismo é ser fabricante de “homens massa” e criar “sociedades de massa” , sem espírito de corpo nem coesão. Mas a sociedade não é um mero agregado de indivíduos, onde o cidadão, tornado “homem massa”, é mera peça de uma engrenagem colocada num palco a desempenhar um papel que não escolheu. E uma geração, que não é preparada para moralmente resolver as suas dificuldades, deixa questões não resolvidas, que podem tornar-se trágicas, para as gerações futuras.

A partir da primeira pessoa, Ortega construiu um conceito de Homem: ”sou eu e a minha circunstância”. Isto é, a circunstância (o modo com as coisas são ligadas numa sociedade), sendo distinta de mim é, no entanto, o cordão umbilical que alimenta o meu modo de viver e encarar os problemas.

Vivemos, hoje, uma profunda crise de valores e de esperança. Desaparecem os feriados que serviam de referência das nossas virtudes coletivas e ao 25 de Abril aconteceu o mesmo que a Camões: à custa do 25 de Abril muitos se tornaram poderosos, enquanto o seu significado vai sendo aviltado.

Somos governados por um pragmatismo político que tem como único critério a contabilidade. Mas que futuro pode ter um povo, tratado como mero agregado de indivíduos, sem raízes nem futuro, obrigados a viver a vida da forma como O´Neil soube, como ninguém, interpretar: “já não é poesia – é só vidinha”?!

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