sexta-feira, fevereiro 24, 2012

 

Transforma-se sempre o engraxar numa tertúlia

Hoje engraxei os sapatos. É coisa rara! Sou daqueles que mudam de sapatos no próprio acto da compra, sem nunca lhes dispensar os cuidados que merecem por me suportarem.

Recorri a um velho amigo, amigo que vem dos tempos do PREC. Pertenceu à JOC (Juventude Operária Católica), foi líder de uma comissão de trabalhadores e dirigente sindical. A Fábrica, onde trabalhava, fechou e o meu amigo, com bastantes filhos, teve de se fazer à vida: construiu uma caixa de engraxar e fixou-se na Praça da Liberdade, junto ao antigo Café Império. É um sábio! Pelas suas escovas, passam os sapatos de muitos dos meus amigos, entre eles, um deputado da Constituinte, também dirigente sindical e ainda militante da LOC (liga Operária Católica), os de D. Taipa, Bispo Auxiliar do Porto, e outros.

Transforma-se sempre o engraxar numa tertúlia. Rapidamente, ficamos rodeados de outros amigos e falamos da vida, não da vidinha de cada um de nós, mas dos problemas que a vida a todos nós sobrecarrega. E também na generosidade do Zeca. Sempre o Zeca Afonso vem à memória, quando se reflecte sobre a vida!

Dizia-me ele, olhando-me debaixo da boina com aqueles seus olhos cansados: “Já reparou que estes governantes são como os novos-ricos? Estes desprezam o património dos pais, as coisas antigas e acham-se muito modernaços comprando aquelas merdas das grandes superfícies que ao outro dia já não servem para nada. Os actuais governantes desprezam as coisas boas que o 25 de Abril nos deu, têm horror à tradição, culpam o passado de todos os males, condenam o que os nossos pais conquistaram, abominam o 25 de Abril e tudo o que a ele está ligado. Querem-nos fazer crer que o bom é a sociedade que eles querem impor, sem raízes, sem património, sem solidariedade e estão-nos a levar à desgraça com essas ideias”.

E depois de uma pausa, que fez o silêncio sentido como o eco de um peso que bate no fundo, concluiu:

“Isto não é democracia nenhuma, é pior do que o fascismo: no fascismo também havia eleições que eram manipuladas pelas chapeladas, hoje vamos votar em promessas que são aldrabices. O fascismo tinha gente culta, uma ideologia e nós sabíamos o que era e o que pretendia. Esta gente que nos governa é de plástico, não conhece a vida, nada percebe sobre o sofrimento do povo, quer impor uma coisa “nova”, mas ninguém sabe o que isso é. O que sabemos é que todos os dias perdemos direitos e sentimo-nos como o emigrante que, em Bruxelas, caiu de um andaime, teve um ataque cardíaco e foi abandonado numa viela pelo patrão. Este governo também já nos atirou para a valeta da vida.”

Vim a pensar nas suas palavras e senti-me mais irmão deste Amigo de longa data.

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