sexta-feira, janeiro 20, 2012

 

A propósito dos "Pedreiros Livres"

Regressando ao tema da maçonaria, escrevi para o Semanário Grande Porto o seguinte texto, que hoje foi publicado:
"Está na ribalta a questão dos pedreiros livres. O pensamento iluminista fez da razão a única fonte de certeza e acusou de obscurantismo todas as crenças que não eram elaboradas pela razão. Mas como é impossível, por édito ou mandato policial, impedir que, interiormente, o crente se “religue” ao que o transcende, o espírito religioso vestiu-se de uma racionalidade para poder escapar às perseguições fratricidas das sangrentas guerras religiosas, que dilaceraram a Europa desde o séc.XVI.

No séc. XVII, um incêndio, de grandes proporções, destruiu Londres. Atribuiu-se a esse incidente trágico intuitos criminosos que visavam, com a destruição das catedrais, apagar os símbolos das religiões em conflito.

A construção de locais de culto esteve sempre associada a narrações misteriosas. Aliás, os primeiros cristãos reuniam-se em segredo para louvar a Deus nos capítulos, lojas ou células e tinham fórmulas de se reconhecerem através de figuras, como, por exemplo, o peixe (Ichthys), e símbolos.

Para fugir à conotação religiosa, muitos pedreiros guardaram em segredo os símbolos e ritos que acompanhavam as técnicas de construção de catedrais. O compasso e o esquadro, por exemplo, eram ícones de uma simbologia que atribuía à geometria um papel sagrado e integravam-se numa narrativa que orientava a construção das catedrais, sempre viradas para onde o Sol nascia, numa missão antropocósmica.

Esses pedreiros, que se consideravam livres (independentes das contendas religiosas) estavam organizados em obediências de fraternidade. Foram chamados para reconstruir as catedrais e encararam essa tarefa com o espírito de contribuírem para harmonizar a respectiva construção com a narrativa do grande arquitecto das almas, o arquitecto de um mundo mais fraterno, mais livre, mais igual e mais de acordo com a beleza e ordem cósmica.

Nessa narrativa, contavam os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade que levaram à Revolução Francesa. Por alguma razão, os maçons do grande Oriente Lusitano, a mais antiga obediência maçónica, estiveram sempre na primeira linha das lutas liberais, contra as ditaduras e a opressão.

Com a grande depressão do capitalismo, nos anos trinta, esta maçonaria foi alvo de terríveis perseguições. Hitler, Franco, Mussolini e Salazar olharam para a maçonaria e para o comunismo como inimigos a banir.

Em 19 de Janeiro de 1935, na recém-inaugurada Assembleia Nacional, o deputado José Cabral, visando o extermínio da maçonaria, apresentou um projecto de lei que proibia as associações secretas, sob pena de aplicação de uma sanção que ia da prisão ao degredo.

Fernando Pessoa, que se diz ter sido “rosacruz” (uma associação do estilo maçónico) escreveu um texto brilhante de defesa do segredo maçónico. Denunciou o paradoxo do projecto de José Cabral ao pretender condenar associações secretas, esquecendo que o conselho de ministros também poderia ser condenado, uma vez que muito do que lá se discute fica debaixo de segredo.


Os propósitos da maçonaria, a sua história e a luta que os maçons travaram, em épocas de intolerância, miséria, obscurantismo e opressão, estão, hoje, referenciados em muitas publicações. E pode-se reconhecer a dimensão iniciática dos pedreiros livres na beleza sublime do património arquitectónico, musical e pictórico que recebemos dos nossos antepassados.

Naturalmente, as preocupações maçónicas que marcaram a arte e a luta contra a opressão e a miséria, são incomensuravelmente diferentes das que têm os actuais candongueiros de interesses que se alojaram em células maçónicas.

E é esta diferença que marca muitos equívocos e, tal como referiu Fernando Pessoa, o antimaçonismo não se deve apenas às nódoas da infiltração oportunista que a(s) descredibiliza, mas também do facto de se falar da maçonaria(s) sem nada se conhecer a seu respeito.

Obs:


Hoje, chamaram-me a atenção para o seguinte: em Portugal, começa a fazer sentido as organizações secretas. Na verdade, se as maçonarias querem perder a conotação com as máfias que ultimamente lhes está associada, pois podem, agora, recuperar o espírito nobre que as enalteceu e justificou o segredo operativo: coloquem-se do lado dos que sofrem o rolo compressor deste governo que nos retira direitos e oprime até ao limite da barbárie. E discutam, em segredo (não pode ser de outra forma. Em tempos de miséria e medos de perder o pouco que se tem não são possíveis as grandes manifestações de luta), nas suas lojas, a forma de dar volta a esta situação, porque a liberdade fundamental, a que nos cria condições para sermos senhores do nosso próprio destino, está em causa.

É só acabar com o clube de “chicos-espertos” e fazer da Maçonaria o que foi sua vocação. Será que haverá gente para isso?!...

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