quinta-feira, novembro 03, 2011

 

Um cinismo insuportável

Escrevi para o Semanário Grande Porto o seguinte texto:


A crise na Zona Euro tem uma explicação: a liberalização do comércio internacional passou a fazer “girar” a economia em torno da livre concorrência de bens e de moeda.

Deram-se apoios para que cada país deixasse de produzir o que não fosse concorrencial. Apareceram os estímulos ao abandono da agricultura, da pesca e das indústrias associadas a estas actividades.

Simultaneamente, o consumismo que a agressividade do marketing promovia deu um valor desmesurado ao crédito e o agiotismo dos bancos ganhou uma dimensão impensável. Foi neste contexto que surgiu o BPN e o BPP com as negociatas que todos conhecemos.

Os bancos nacionais pediram dinheiro à banca estrangeira, capitalizando rendimentos com as mais-valias das diferenças entre juros de empréstimos. O predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo tornou-se, assim, abissal.

Na economia real, a livre concorrência obrigou a produzir cada vez mais barato. Muitas empresas deslocaram-se para os países emergentes, como a China, onde o trabalho não tem direitos e o recurso à exploração do trabalho infantil é prática corrente. As fronteiras nacionais deixaram de ter importância para o comércio e os chineses inundaram os mercados nacionais sem abrirem um único posto de trabalho. Não houve a preocupação de proteger os interesses económicos nacionais e a concorrência, em circunstâncias desiguais, foi empobrecendo o País

A União Europeia passou a ser um mito e o seu destino foi entregue a Merkel e Sarkozy.

Os governos dos países limítrofes, como o de Portugal, foram ficando sem os recursos internos que possibilitavam cobrir as despesas do Estado. E, em vez de regularem os mercados financeiros, apostarem na produção interna e colocarem travão à dívida pública, seguiram o mesmo pragmatismo que promovia o crédito (compre agora e pague depois), engrossando a divida do Estado com instituições desnecessárias, obras faraónicas, parcerias que iam empenhando o erário público.

Tudo isto foi acontecendo com muita suspeita de corrupção, ao mesmo tempo que se ganhava consciência de que a produção interna já não dava para pagar juros.

Foi neste contexto que apareceu a Troika com as medidas draconianas de resgate da dívida.

Num cinismo chocante, o Governo, em vez de mobilizar o País para enfrentar a crise, acusou os assalariados de viverem acima das suas possibilidades. Mas, quem vive acima das suas possibilidades e é responsável pela situação de crise em que mergulhámos é a oligarquia autista que nos tem desgovernado.

Asseguram que a escravização pelos impostos, os cortes nos salários e nos direitos sociais são do interesse geral, mas entram em pânico com a possibilidade de um referendo que ajuíze da justeza de tais medidas.

Será que compreenderam que, em democracia, ninguém pode governar contra a vontade dos cidadãos?

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