quinta-feira, agosto 11, 2011

 

Desesperados da vida

Escrevi para o Semanário Grande Porto o seguinte texto:

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.
Bertold Brecht

A barbárie que se alastra em Londres não pode ser explicada apenas pela acção de vândalos. A guetização provocada pelo multiculturalismo somou-se aos problemas sociais de desemprego e ausência de esperança no futuro. Só foi preciso um rastilho para que Londres ficasse a ferro e fogo.

Aqueles que pensam que os problemas de um país podem ser resolvidos com números, gráficos e troikas têm aqui matéria para uma profunda reflexão.

Por outro lado, a retórica moralista dos valores, da responsabilidade ética, sentido do dever e respeito pela lei, como fez David Cameron, “cheira” sempre a um farisaísmo a quem sente que a vida se tornou num inferno por culpa de um sistema que não o defende, nem o valoriza.

Ninguém consegue sentir-se estimulado a respeitar a Lei (razão da defesa do bem-comum, por excelência), quando o interesse privado se sobrepõe ao público, o ser humano é tratado como uma coisa descartável e se coloca nos mais pobres o peso das respostas a uma crise de que estes não se sentem culpados.

Coloque-se cada um de nós na pele de um jovem que vive sem horizontes de futuro, tratado como estrangeiro na terra onde nasceu, olhado como suspeito pela polícia por ser negro mulato ou amarelo, tido como “porco, sujo e mau” e perceberá a razão da erupção da violência irracional.

É que, quem vive num inferno, que se traduz no desespero da incapacidade para enfrentar os problemas do dia-a-dia, perde o sentido da vida, a auto-estima e só encontra duas saídas: a violência sobre si mesmo que leva ao suicídio ou a violência sobre o sistema, que leva aos distúrbios como os que aconteceram em Londres e podem acontecer noutras cidades e noutros países com programas de austeridade duríssimos e injustos.

No pós-guerra, os programas de coesão social, desenvolvidos pelo estado-providência, garantiram segurança no trabalho, direitos sociais e protecção das classes mais frágeis. Tais políticas apoiaram uma cultura do respeito pela lei, sentido de dever, cumprimento de obrigações e isso foi sinónimo de menos crime e mais estabilidade.

A onda neoliberal que se expande na Europa esvaziou o papel do estado, promoveu o egoísmo, hipervalorizou a felicidade pelo consumo, criou os palácios de sonho, mas desprezou as questões sociais e abriu um fosso enorme entre ricos e pobres, negando a estes a possibilidade de desfrutar dessa “felicidade”.

Não basta encontrar os culpados por tanta barbárie: sem políticas de solidariedade social, a raiva dos desesperados da vida acabará sempre por fazer arder cidades.

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