quinta-feira, julho 14, 2011

 

Ideias e afectos

Enviei este texto para o Semanário Grande Porto:

Francisco Assis intitulou “Força das Ideias” a sua moção e, há dias, para se demarcar de António Seguro, afirmou que lhe “repugna reduzir a política à cultura dos afectos”.

Li a moção e não percebi que força terá um conjunto de lugares comuns de esquerda debitados em épocas eleitorais que são sempre esquecidos na prática governativa. Tenho pena que não se aproveite um congresso para reflectir sobre a praxis do partido: a sua organização institucional, a sua razão de ser e por que esta foi tão desqualificada a partir do seu próprio interior por muitos daqueles que se serviram do partido para ocuparem lugares na mesa do orçamento. Tenho pena que as moções não reflictam esta preocupação. Neste vazio, está o calcanhar de Aquiles do PS que o fará, durante muitos anos, perder eleições.


Faz parte das técnicas de argumentação a utilização do que Perelman chama “lugares do preferível”, isto é, conceitos, frases, expressões, às quais o auditório adere emocionalmente. E é curioso que Assis, abusando na sua retórica desta técnica, se demarque de Seguro garantindo “força nas ideias” e que lhe “repugna reduzir a política à cultura dos afectos”.


A hipertrofia da razão por Francisco Assis adequa-se ao seu estilo retórico de imperativo categórico, mas está ultrapassada. Descobriu-se no espelho cartesiano do “Cogito, ergo sum” e inchou com a omnipotência narcísica dum “ego” despido de sentimentos e emoções, como denunciou António Damásio. Reflecte a separação entre teoria e prática, saber e viver, ideia e emoção, corpo e alma, política e ética.


A razão que emerge duma tal retórica é a razão instrumental, dominadora, que reduz o operar humano à produção e o “não-produtivo” ao esquecimento. Gerou a instrumentalização da natureza, do homem e da vida e, falando como única possível, tornou-se opressora, adversária dos sentimentos, dos afectos e das emoções, como diria Freud, Nietzsche, Derrida, Foucault, Habermas, Lyotard, etc.


Desde o final do séc. XX, nomeadamente Maio de 68, que se compreendeu que razão separada da emoção dá lugar ao vazio, ao esquecimento do homem como alfa e omega de todas as coisas.

As emoções, os afectos, não existem apenas na esfera privada. São os validadores das ideias e dos valores, determinam a vontade e orientam o pensamento na vida. Como diria Erich Fromm, se separarmos a razão da emoção, o pensamento deriva para um intelectualismo esquizoide e a emoção dissolve-se em paixões neuróticas que infernalizam a vida.


Não se percebe que queira ser líder quem não compreende que “ideias sem afectos são vazias; afectos sem ideias são cegos”. Ou, como diria Pascal, “o coração tem razões que a razão desconhece”.

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