quinta-feira, setembro 30, 2010

 

Reflexão sobre o "5 de Outubro"

Escrevi para o Semanário “Grande Porto” o artigo que transcrevo:


Reflectir sobre o “5 de Outubro”


José Mattoso descreve um episódio exemplar: um indivíduo a quem foi destruída a casa no “5 de Outubro” reclamou a uma companhia inglesa, onde tinha segurado o seu imóvel, uma indemnização. Aquela alegou que a apólice não cobria danos causados por motim, guerra civil ou insurreição. Não conformado, o segurado recorreu aos tribunais. Para grande surpresa da Companhia, o juiz considerou que o “5 de Outubro” não tinha sido uma insurreição ou tumulto, mas um” acto de emancipação social” e, nesse sentido, a Companhia era obrigada a pagar o seguro. (H.P., Vol. VI),


A frustração em relação aos governos monárquicos, nomeadamente depois do “Ultimato”, levava a identificar a República com a dignidade de um povo, o ideal da Justiça e a pensar o Direito a partir da cidadania. No “31 de Janeiro”, isso já se manifestava de forma elucidativa: à pergunta do juiz ”o que é a República”, o soldado, acusado de participar nessa revolta, respondeu: “Eu, meu senhor, não sei o que é a República, mas não pode deixar de ser uma coisa santa. Nunca na igreja senti um calafrio assim. Perdi a cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos as barretinas ao ar. Gritámos então todos: viva, viva, viva a República.” (Manifesto dos Emigrados).


No entanto, reduzir o centenário da 1ª República à celebração de feitos heróicos, escondendo as perversidades que envolveram essa revolução, é uma forma de mistificar a História, o que não prestigia a república nem a democracia. É certo que, nesse tempo, ao contrário do que acontece hoje, entrava-se rico para a política e saía-se pobre. Fizeram-se grandes reformas: decretou-se o ensino obrigatório e gratuito, criaram-se “escolas normais”e a Universidade do Porto, aprovou-se o direito à greve e às 48 h. semanais de trabalho com um dia de descanso, criou-se a obrigatoriedade do seguro social e o direito à sindicalização.


Mas, há que ter em conta que também foi um período de jacobinismo, intolerância e onde imperou a carbonária que fez da laicidade uma questão anticlerical, perseguindo cruelmente os seus opositores. Os conflitos partidários geraram instabilidade política, económica e social que obrigaram a adiar reformas e a fazer greves. Cresceu a pobreza, subiu o custo de vida e aumentou o desemprego. O País ficou sem rumo e o divórcio entre os políticos e o povo tornou-se insuperável. Forjaram-se, assim, as condições que levariam Salazar ao poder.


Seria um mau serviço à República transformar a celebração do seu centenário num mero acto de propaganda ideológica que inibisse a necessidade de aprender com os seus erros, para os evitar no presente. Não é sem consequências que as melhores expectativas de um povo são frustradas.

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