quinta-feira, junho 10, 2010

 

A pós modernidade socrática

Fiz o texto (que transcrevo) para o “Semanário Grande Porto”, edição de amanhã. Como só poderiam ser publicados 2.500 caracteres, tive de retirar algumas passagens. Mas fica aqui o texto integral,

A pós-modernidade socrática

Sócrates não se cansa de afirmar que “o mundo mudou” e di-lo como se essa mudança tivesse uma via única. E essa via, na sua retórica, só tem a direcção da pós-modernidade. Encantou-se com o conceito, mas ninguém lhe terá dito que foi utilizado por Lyotard para exercer uma forte crítica ao vazio ético do nosso tempo, caracterizado pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas, pelo desinvestimento nas ideologias, pela substituição das éticas apoiadas em imperativos do dever pelas motivações individuais, pelo individualismo, hedonismo e narcisismo. E, enquanto a modernidade ligava a política ao mundo da vida e construía narrativas de empenhamento em causas que procuravam dar esperança a um futuro melhor, a perspectiva pós-moderna transforma a política num utilitarismo, em jogos de sedução e num espectáculo de ilusões.


Harmoniza-se, por isso, com o estilo de governação socrática. Ao nível dos valores abateu todas as referências que orientavam modos de viver e nivelou tudo pela mesma fasquia, como é patente na legislação que coloca o casamento heterossexual ao mesmo nível que o homossexual. Só deixou como relevante o que preenche o seu “ego” e responde às suas preocupações narcísicas.


O seu narcisismo não está só na forma de vestir, mas também na teatralização dos gestos e das expressões de rosto que parecem moldadas ao espelho para repetir as mesmas ideias, as mesmas frases e sempre num tom que parece causar em si próprio a surpresa de ter “tanto engenho e arte”. Seja o que for que Sócrates inaugure pela primeira ou vigésima vez é, na sua retórica, “o que precisava de ser feito, o que fazia falta e o que só ele era capaz de fazer.”


O pós-moderno socrático é um desígnio de governação iluminada conjugado na primeira pessoa. Só ele (Sócrates) sabe o que está certo e só ele o pode realizar. Este delírio, que no dizer de José Gil (in: “Em busca da identidade”) alimenta “toda a máquina de propaganda do governo, transforma o que é banal num acontecimento único”. E neste “fingimento”, o exercício da política torna-se no resultado de “golpes de chico-espertismo”.


Por isso, Lipovetsky, chama ao pós-moderno “A era do vazio”, marcada pela ausência de valores, pelo “zapping” nas atitudes (mudando de cartada, conforme as conveniências; dizendo uma coisa e o seu contrário), pela queda da personalidade, das ideologias, do sentido de estado e dos valores da honra, da verticalidade, da solidariedade e da dignidade.

Mas, enquanto Sócrates anuncia um novo mundo, o mundo continua o mesmo e só os seus problemas e a interpretação dos mesmos é que vai mudando. Como diria António Gedeão,”Cada um é seus caminhos! / Onde Sancho vê moinhos, / D. Quixote vê gigantes.”

Muitos se preocupam em contrariar a lógica do ponto de vista pós-moderno.

Habermas (Filósofo alemão da Escola de Frankfurt) pensa que perante a complexidade dos problemas do nosso tempo, as incertezas em que vivemos, é possível recuperar o espírito da modernidade, partindo de um novo paradigma que envolva os múltiplos pontos de vista dos cidadãos em projectos de interesse comum.

Entende que as soluções verticais não envolvem todos os interessados na procura do bem comum. Só a construção de consensos pode empenhar diferentes perspectivas. Considera que, pelas palavras, não só pensamos como comunicamos e agimos. E, num mundo cada vez mais dominado por incertezas, defende que devemos substituir a capacidade de utilizar a razão (“razão instrumental”) como instrumento para elaborar meios para fins de domínio, por uma “razão comunicativa” capaz de se abrir, com regras, ao diálogo, que articule os diferentes interesses, de modo a que possam conviver na procura de consensos.


E nas políticas públicas, o consenso é a expressão de um ideal, potencializador da recuperação da utopia de uma nova modernidade, gerando políticas que caminhem no sentido de alcançar o objectivo de um “bom-governo”: diminuir o sofrimento dos que mais sofrem.


Este poderia ser o paradigma do PS. Mas isso exigia afirmação das suas raízes ideológicas, promover a solidariedade que dá sentido á sua bandeira e desenvolver, pelo diálogo, o capital social necessário para gerar confiança em projectos que tornem o País mais justo e mais próspero.

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