quinta-feira, maio 20, 2010

 

Bento XVI

Escrevi este texto para o semanário Grande Porto:

O que terá atraído multidões para se apinharem nas ruas e nas praças, aplaudindo e homenageando o Papa Bento XVI?


O actual Chefe da Igreja Católica trazia a imagem de um Homem sorumbático, sem empatia e enquistado num conservadorismo retrógrado. Precisamente o oposto à memória de João Paulo II, um Papa afectivo, do diálogo, da proximidade e preocupado com as questões sociais.


Quais as razões que levaram a superar o desfasamento entre os dois últimos Chefes da Igreja Católica?


O que é que, nesta visita a Portugal, terá feito a reviravolta da imagem do Papa Bento XVI que arrastou multidões e fez nele descobrir um Homem de diálogo, capaz de autocrítica (“só a Igreja, no seu interior, é responsável pelos males de que a acusam”) e preocupado com que a verdade fosse uma estética do mundo da vida (“um povo, que deixou de saber qual é a sua verdade, fica perdido no labirinto do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objectos grandiosos claramente enunciados, (…) Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza.”)


Naturalmente, não terão sido as suas entrevistas, nem as suas palavras aos homens da ciência, da cultura e da arte a galvanizarem as multidões.


As raízes cristãs dos portugueses configuram um fundo cultural, que define expectativas e determina a vontade dum reencontro com as mesmas. As multidões não se movimentam por discursos, mas pelo que, a nível simbólico, responde às suas expectativas mais íntimas. E entre estas, como referiu Bento XVI, está a ânsia de abrir novos horizontes de futuro que tragam verdade, dignidade e felicidade para o homem, individualmente, e na sua relação com os outros, a vida e o mundo.


Santo Agostinho ajuda-nos a compreender estas expectativas e a “reviravolta” que se operou na imagem do Papa.


No entender do Bispo de Hipona, o homem é um “ser do desejo”. Tem no seu espírito, gravada, a memória de uma felicidade perdida e anseia por reencontrar esse “paraíso”, onde a felicidade de todos é também a felicidade de cada um, onde o bem comum não se separa do bem individual, e, onde a verdade se identifica com o bem, o belo, a dignidade e a felicidade.


É isso que dá sentido à vida. Sem esperança num mundo mais justo, só há a desorientação, perda da confiança no futuro e a impressão de um vazio.


O desejo desse mundo perdido cria no homem uma inquietude existencial que desperta expectativas e, paradoxalmente, o receio de as perder.


A vinda de Bento XVI deslocou o desejo de um “paraíso perdido” para o significado religioso do Papa. Aproximar-se dele, saudá-lo, tocá-lo, significava dar sentido à reminiscência de um “paraíso perdido” que o mundo profano negava.


E não admira que assim seja. O País vive uma profunda crise de verdade, de justiça e de valores. A política liquidou a verdade, o sentido do bem comum, o sentido da necessidade de melhorar a vida dos que mais sofrem (o que sempre definiu o bom governo). Nestas circunstâncias, o retorno ao sagrado, representado num encontro com o Papa, significa preencher um vazio, reencontrar uma orientação para a vida e ter esperança no regresso a um “paraíso perdido”.


Pena é que a utopia do desejo se vá desvanecendo com a pura realidade de vivermos sem norte, num mundo sem líderes, sem convicções nem responsabilidades (só há uma ética da responsabilidade é a que configura convicções responsáveis). Perdendo a esperança que as expectativas criam, mergulhamos novamente na crise, regressando ao vazio sem Futuro.

Comments:
Amigo João Baptista Magalhães: este seu texto é de uma beleza comovente e indescritível, pese embora a sua terrível nostalgia...
 
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