quinta-feira, abril 15, 2010

 

O PEC e a moralidade dos empresários

Será amanhã publicado no semanário Grande Porto o texto que a seguir transcrevo:

"Esperava-se que a sociedade civil, particularmente o seu sector mais dinâmico, os empresários, que têm beneficiado de ajudas, vindas não só da Europa, mas também dos contribuintes portugueses, tivessem, nas horas difíceis de implementação do PEC, um sentido de solidariedade nacional e de justiça na repartição de sacrifícios.

E havia muitas boas razões para isso: o sucesso de uma empresa depende, em primeiro lugar, dos trabalhadores e, depois, dos gestores, dos investidores, dos fornecedores, dos clientes e da forma como é olhada pelo meio social onde está inserida. O seu desempenho económico não está separado das relações que gera com a sociedade e o meio físico que a envolve.

É a partir da empresa que os trabalhadores constroem a sua identidade profissional, criam expectativas, estabelecem relações de amizade e desenvolvem formas de viver e conviver. Logo a seguir à família e à escola, é o trabalho que ganha uma carga simbólica de realização pessoal, integração social e, ainda, de desafios emocionais e sociais na realização de um projecto de vida. Perder o trabalho tem um efeito semelhante à perda de sentido da existência.

Por tudo isto, torna-se claro que a única finalidade da empresa não é o lucro nem os seus interesses dizem respeito apenas aos seus proprietários ou accionistas. E é neste contexto que se espera que a empresa se comporte como uma “boa-cidadã”.

Esta teoria não é nova: vem na melhor tradição das filosofias económicas e empresariais. Já no século XVIII, S. Tomás de Aquino enunciava dois princípios morais que deveriam orientar a relação entre o capital e o trabalho:

1º Princípio da Justiça comutativa - o trabalhador tem direito ao preço justo, ao salário justo e à participação nos lucros.

2º Princípios da Justiça distributiva - os bens devem ser distribuídos segundo as necessidades das pessoas e não na medida do mercado.

Estes princípios assentam na máxima escolástica: “os bens são de uns, mas são para todos”.

Não se compreende, por isso, que os accionistas da GALP, da EDP e de outras empresas intervencionadas pelo Estado achem que estão bem os balúrdios (só comparáveis às 100 melhores empresas dos E.U.) pagos aos seus gestores (com bónus de 7 e 8 meses) e que os trabalhadores, que fazem a riqueza das suas empresas, tenham os seus vencimentos congelados para que o País não vá à falência.

Nenhuma empresa se pode comportar como “boa-cidadã”, esquecendo a sua função social, o seu dever de solidariedade em períodos de crise e descartando-se dos problemas sociais do seu País.

Se vivêssemos num País governado com espírito de Justiça e sentido ético, esses accionistas teriam os seus lucros mais tributados e aos ordenados dos seus gestores seriam aplicados impostos que dessem sinal de que o PEC não é só para os desgraçados, mas representa um esforço de todos. Dessa forma, corrigir-se-ia a ausência de solidariedade nacional que, egoística e obscenamente, tais accionistas e gestores manifestam.

Se em tempos de crise não há direitos adquiridos, isso deve valer para todos. Não podemos aceitar que sejam só os pobres a pagar a crise ou que a barbárie esteja mais perto de nós do que nós da Idade Média".

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