sexta-feira, março 05, 2010

 

Sindroma de Titanic

Escrevi. no Semanário Grande Porto. este texto:


Vai-se apoderando de nós o “sindroma de Titanic”: a insegurança e o medo de se resvalar para um fundo incomensurável, sem saída. O icebergue serve de metáfora à crise económica e financeira, à falta de sentido do bem-comum, à promiscuidade entre interesses públicos e interesses privados, ao desprezo pelos valores morais, à ausência de sentido de liderança, ao desemprego e à ameaça de despedimento, á mobilidade e flexibilização do emprego que desestrutura a família, à desconsideração pelo trabalho na função pública e à sua avaliação de desempenho injusta e arbitrária, ao esvaziamento das ideologias nos partidos e à sua substituição por redes de interesses e, agora, ao medo de que uma tragédia semelhante à que caiu sobre a Madeira, possa abater-se sobre nós.


Todas as crises, como o desastre do Titanic, chegam com avisos prévios mais ou menos claros, mas tal como naquele cruzeiro de luxo, o Governo já não tem ouvidos para os sinais de aviso. Enredado nos casos Freeport, Face-Oculta, pseudo-licenciatura de Sócrates, etc., prefere a auto-defesa pela auto-adulação e deixar-se adormecer pelos reverberantes sons das sirenes que apressam anúncios de mega-realizações que jamais se concretizarão. São como os empresários falidos que apareciam em carros espampanantes.


O Titanic já não é o navio indestrutível que o 25 de Abril lançou num mar que inspirava segurança e navegava, sem receios, para aportar num novo mundo de progresso e felicidade. O Titanic somos nós, cidadãos desconsiderados e desesperados, a fazer contas à percentagem que nos será retirada numa reforma antecipadamente ansiada, são os trabalhadores a quem as empresas falidas devem 15 milhões de euros e não têm quem os defenda, são os 10,5% de desempregados, são os diplomados para o desemprego, os que aspiram a uma justiça que nunca chega, os que querem casar e ter filhos mas não têm estabilidade, e, ainda, os que, não deixando de ser democratas, já não acreditam nesta partidocracia que criou novos ricos e frustrou as esperanças no sistema da saúde, da justiça, das forças de segurança, da educação, da função pública e na geringonça do “complex” em que se tornaram as instituições públicas.


O medo do futuro e a insegurança do presente desespera-nos. Os botes salva-vidas das alternativas não assinalam esperanças. Ouvimos os debates dos candidatos à liderança do PSD e ficamos com a sensação do “déjá vu”. Ninguém sabe o que pensam sobre o imperioso combate à corrupção que grassa entre o urbanismo e o ordenamento do território, entre obras públicas e contratação do sector empresarial do Estado; como vão dar credibilidade às entidades reguladoras ou que têm incumbência de controlar riscos; o que vão dizer aos gabinetes privados que custam balúrdios aos contribuintes para fazerem estudos, leis e projectos cujo interesse público é duvidoso; como vão reformar o sistema político, onde já ninguém se sente representado; que reformas apontam para pôr a funcionar a Justiça, torná-la credível, garantir a sua independência e dignificar a sua função; como resolverão as assimetrias abissais nos escandalosos vencimentos de gestores (boys) criados com o desmembramento da CP; que medidas tomarão para promover o sentido do bem-comum, a dignificação do Estado e o funcionamento das instituições, etc, etc.? Ouvir os candidatos do PSD e ouvir os líderes do PS é sentir mais do mesmo. E sabendo-se que os mais notáveis dos seus apoiantes partilham na vida com os notáveis do PS os mesmos gabinetes, gerem as mesmas empresas e estão nos mesmos negócios, fica sempre a interrogação: por que não se unem e acabam com esta mistificação?


Nenhum país pode funcionar com o sindroma de Titanic. Precisamos de políticos com outro perfil e um outro modo de entender a gestão pública, que galvanizem os portugueses para sairmos deste navio que se vai afundando, com um “grupo de músicos” que nos vão tolhendo os passos com a “aura musical” da pesporrência e do auto-elogio.

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