sexta-feira, março 19, 2010

 

Os filhos da playstation

É frequente encontrar-se professoras que saem das aulas a chorar, alunos que, na algazarra dos recreios, se tornam violentos e funcionários que têm medo de impedir situações de indisciplina. Os casos-limite do menino Leandro que, cansado dos maus tratos que sofria dos “maiores”, se atirou para sempre ao Tua e o do professor Luís, da Escola do Rio Moura, que preferiu lançar-se da Ponte 25 de Abril que continuar a ser amesquinhado nas aulas pelos alunos, são apenas os exemplos extremos que tornaram evidente o dramático retorno social da incompetência do consulado de Lourdes Rodrigues no Ministério da Educação.


E esta situação não vai ser corrigida nos próximos anos. Tal como na metáfora de Descartes-- uma vara entortada precisa, antes que se fixe nessa posição, de ser vergada intensamente em sentido contrário até recuperar a forma correcta-- assim teria de ser feito com políticas de educação que corrigissem o legado ruinoso da ex-ministra.


A incompetência de Lourdes Rodrigues, da equipa que a acompanhou no ministério e nas direcções regionais, sem qualquer currículo ou experiência na vida da Escola pública (uns andaram pelas autarquias, outros pela “rebaldaria” dos cursos de formação contínua de professores) manifestou-se no “experimentalismo” de directivas que burocratizaram kafkanianamente a Escola, nas políticas de “navegação à vista” que tornaram a Escola pública num embuste e diabolizaram os professores.


As consequências foram óbvias: sem autoridade e desprestigiados, os professores deixaram de ser uma referência na escola e passaram a ser vitimas nas mãos de alunos e de alguns encarregados de educação. Sem referências, professores, funcionários e alunos ficaram ao mesmo nível e tornou-se impossível impor normas, promover a educação dos sentimentos, o sentido do respeito e do dever. A sala de aula deixou de ser o local de trabalho, onde se respeitavam regras, se faziam perguntas e se ouviam respostas, se reconheciam erros e se aprendia com os mesmos.


O que nunca aconteceu nas escolas privadas passou a dominar as escolas públicas: o Ministério atribuiu às comissões de encarregados de educação uma autoridade descabida que as levou, em muitos casos, a intrometer-se no trabalho dos professores, culpabilizando-os por tudo e por nada e pressionando-os na “inflação” das notas que atribuíam aos alunos. Simultaneamente, os pais descartavam-se de assumir qualquer autoridade sobre a educação dos seus filhos e para que o tempo passado em família não tivesse conflitos, substituíram a realização dos trabalhos que os “meninos” traziam da Escola pela playstations e pelos vídeos de jogos de terror que, horas e horas a serem vistos, foram interiorizando nas suas cabeças o desejo de imitar aqueles “heróis”da violência. As consequências estão à vista.


Os filhos da playstation (que banalizam o mal) substituíram os filhos de Rousseau e a Escola foi invadida por “jogos de simulação”, onde o M.E. resolvia o problema da aprendizagem impondo administrativamente percentagens que limitavam “chumbos” e forçavam um sucesso feito por estatísticas.


O retorno social do investimento que os contribuintes nela fazem é assustadoramente calamitoso, pondo em causa a própria legitimidade de desempenho do Governo.


Numa democracia, a legitimidade não é só dada pelo voto. Há também uma legitimidade de desempenho governamental avaliada pela convicção de que os impostos se justificam pelo retorno social que criam, promovendo a esperança num futuro melhor. E a pergunta que fica é a seguinte: será que com as políticas seguidas para a Escola pública teremos amanhã profissionais mais competentes e cidadãos mais responsáveis? Não nos parece que isso seja possível, sem um governo que tenha coragem para seguir a estratégia que a metáfora de Descartes expressa, impondo um sentido contrário ao descalabro em que caiu a Escola pública.

Obs: este texto foi enviado para o semário "Grande Porto"

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