sexta-feira, fevereiro 12, 2010

 

Crise profunda.

No semaário Grande Porto, pg.25, escrevi o seguinte texto:
As escutas do “Face Oculta” tornaram público que vivemos uma profunda crise: não é só moral, nem financeira, nem política, mas sobretudo da justiça. Não está só no seu mau, lento e muito caro funcionamento, mas situa-se no seu próprio interior, onde dois modos de entender a Justiça se encontram de costas um para o outro: um, ao nível da primeira instância, procurou que os indícios revelados nas escutas do “Face Oculta” fossem objecto de instrução dum processo de averiguações que esclarecesse, face á lei, se havia ou não arbitrariedades do poder político; outro, ao mais alto nível, não só considerou que não havia razões para mandar instruir o respectivo processo ou necessidade de aguardar prudentemente melhores provas, como se virou contra essa instância, determinando a destruição imediata de tais indícios.

Num mesmo sistema, estão de costas voltadas duas formas de entender o modo de proteger direitos e defender um Estado de direito. E para agravar esta situação, o Governo, que deveria ser neutro nesta contenda, toma partido por uma das partes, precisamente pela parte representada nas principais figuras do sistema judicial, donde saiu a determinação de destruir os referidos indícios.

A obrigação de respeitar a divisão de poderes está em causa e a necessidade de zelar pela defesa de um Estado de direito surge como uma batalha cívica de todos os que prezam a democracia e a transparência.

Desde a Revolução Francesa que na “Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão”(1789) está escrito: “A sociedade em que a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, carece de constituição.” (art.º 16).

Sem respeito pela divisão de poderes (legislativo, executivo e judicial) ficam abertas as portas da arbitrariedade e desaparecem os alicerces de um Estado de direito.

Nunca uma decisão de um tribunal, de qualquer instância, foi concebida como verdade absoluta, decidida de forma fechada e à maneira das demonstrações matemáticas. Sempre a prática jurídica se pautou pela ideia de que a legitimidade das decisões dos magistrados não é pessoal, mas argumentativa. Nem os factos nem as leis falam por si e é preciso que qualquer interpretação da lei seja em função dos valores que pretende defender, sujeitando-se sempre ao contraditório ou refutação dos bens que estão em causa.

Nada disso foi feito. Além disso, o Primeiro-ministro, visado neste caso, também nada esclarece. Seguindo a estratégia da avestruz deixa sem esclarecimento o que é fundamental em democracia: dar respostas às acusações.

Sócrates, nas declarações que vai prestando sobre o “Face Oculta”, diz sempre o mesmo, parecendo comportar-se como um qualquer arguido: nega tudo e vitimiza-se.

Precisamos de uma reforma da Justiça que dignifique os seus agentes, se oriente pela protecção dos valores que configuram um Estado de direito e uma sociedade transparente. Sem esta reforma nenhum capital social se desenvolve para superar as profundas crises em que vivemos. E, nestas circunstâncias, não haverá pessoas de mérito e com sentido de responsabilidade, que possam orientar o nosso destino colectivo.


Os “chicos-espertos”, aqueles que se servem de todos os estratagemas para atingir os seus objectivos, continuarão a perpetuar esta crise e não demorará muito tempo que nos situemos ao nível da pior fasquia: a dos países do Terceiro-Mundo.

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