domingo, fevereiro 07, 2010

 

Apresentação do livro Anamnese na Casa dos Açores

Não terão passado de trinta as personalidades ilustres que, vivendo no Porto, criaram a casa da sua terra, a Casa dos Açores. No entanto, conseguem associar às suas iniciativas culturais os muitos continentais que com eles se cruzam nas universidades e nos locais de trabalho.

As suas instalações encheram-se para uma romagem de afectos, a propósito do livro Anamnese de José Ferraz Alçada, ilustre médico que em Coimbra, na Real República Corsários das Ilhas, foi adoptado açoriano.

O evento tornou-se, rapidamente, num encontro com a memória de pessoas, lugares, canções e acontecimentos que fizeram muitas das tertúlias dos Corsários das Ilhas.

Além da apresentação do livro de José Alçada pelo Prof.Dr. Cristóvão de Aguiar, co-repúblico dos Corsários, inaugurou-se uma exposição de fotografias de Laurindo Almeida e António Paes Cardoso, recordou-se Nemésio e Natália Correia em inúmeros quadros que constituem o rico espólio da Casa dos Açores e ouviu-se música executada por dois jovens açorianos.

Como referiu o apresentador, “logo a partir do título”, os contos, muito ao estilo de Miguel Torga, harmonizavam-se com as memórias, por todos, ali vividas. E isso aconteceu, logo de início, quando um diaporama do texto de Alçada “uma crónica duma morte anunciada” trazia ao convívio Zeca Afonso. Com um fundo musical, uma voz feminina lia a crónica que lembrava o Cantor de Grândola Vila Morena, afirmando a certo passo: “sob o olhar atento de Antero de Quental imortalizado num punhado de versos pintados a negro no fundo branco duma parede (Zeca) temperava as canções do folclore açoriano, com o mesmo afinco e com o mesmo carinho com que temperava as canções da Beira Baixa, do Minho, de Trás-os-Montes, do Algarve ou do Alentejo que tanto, tanto amava. (Chamava-se Catarina/ O Alentejo a viu nascer/Serranos viram-na em vida/ Baleizão a viu morrer)”.

Depois, o apresentador lembrou que os contos e crónicas de José Alçada estavam marcados pela sua condição de médico e, por isso, foram elaborados a partir de “um inquérito à realidade que o rodeava para dela arrancar a matéria que mais lhe interessava, com a qual, depois de amalgamada e bem digerida, construiu a sua ficção plausível.” E, em forma de advertência, Cristóvão de Aguiar assinalou: “Os contos e as crónicas de Anamnese são tudo menos anódinos. Estabelecem um compromisso com a vida e a gente que nela luta num sofrido dia-a-dia, com o povo esquecido da serra, da África da Guerra colonial, da gente simples do interior da Beira Alta. Não se trata, porém, do empenho panfletário tão próprio do neo-realismo puro e duro da primeira fase (…) como poderia a um olhar distraído fazer crer”.

José Alçada, após agradecer o privilégio de ver o seu livro apresentado na Casa dos Açores e de doar o apuro da venda às vitimas dos recentes temporais naquela Região, recordou o tempo que passou em Coimbra na República dos Corsários, as lutas dos açorianos contra a ditadura e como a todos serviu de bandeira as palavras de Antero, escritas no rés-do-chão da República, no fundo branco da parede: “A liberdade não é tudo, mas é o primeiro passo para se alcançar tudo que é justo e santo”.

O autor de Anamnese esteve ligado à luta contra a tuberculose, fez parte da Direcção da Associação de Escritores de Gaia e, entre diversos prémios, foi distinguido com o “Prémio Dr. Joaquim Namorado. Publicou crónicas em diversos jornais, inclusivamente no Comércio do Porto e no Jornal de Notícias.

Não será por mero acaso que a apresentação do livro de José Alçada tenha sido feita em Janeiro. Aproxima-se a data da Revolta que pretendeu instaurar a República e é muito natural que naquele tempo as tertúlias fossem galvanizadas pelos mesmos ideais que nortearam a elaboração deste livro.

Feliz coincidência para todos os que viveram o evento promovido pela Casa dos Açores!

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