sexta-feira, janeiro 22, 2010

 
No Semanário “Grande Porto” -- sob o título “Para que serve a ética?” -- escrevi:


“Se ao menos pudéssemos acreditar em alguém!...”— é o desabafo que utilizamos para nos isolar, ficar à margem dos outros num mal-estar difuso que cria solidão e vazio.

E quando nada parece dar resposta às nossas expectativas, nada parece funcionar (os amigos desiludem-nos, as leis não se impõem, os Tribunais não funcionam, a Escola não forma cidadãos responsáveis nem profissionais competentes, o desemprego é arbitrário, a política uma rua de má fama e a vida “um desenrasca” ) há uma palavra que serve de explicação última: ética ou falta dela.

Mas, só por si, a ética não impede condutas reprováveis, não organiza a sociedade, não faz com que os empresários dêem uma função social às suas empresas, a escola cumpra o seu dever, a justiça se restabeleça e o sofrimento ou mal-estar desapareça.

Para os gregos, “ethos” significava morada. Quem passa muito tempo na mesma morada, ganha determinados hábitos que determinam modos de conviver e de agir. A ética vem, por isso, de dentro de nós mesmos, do que nos foi dado pela educação, pela sensibilidade, pelos valores e princípios que interiorizamos, diz respeito à nossa postura face aos outros e responde às questões: quais os meus deveres para comigo mesmo, a profissão que exerço, o meu estatuto de cidadão, a sociedade onde vivo, a vida, a natureza?!... O que é que de mim esperam as gerações futuras?!...

Os vindouros, os que ainda não nasceram, quando sofrerem as consequências do que fazemos no nosso tempo, já não nos encontrarão para nos pedir responsabilidades. Será justo ou legítimo, porventura, querer a felicidade no presente à custa da infelicidade das gerações dos nossos netos, daqueles que nos hão-de suceder?!...

A resposta a estes problemas não vem de fora de nós mesmos e, por isso, a ética não pode ser uma “arma de arremesso” contra a perversidade dos outros, nem, por outro lado, diz meramente respeito à consciência individual. Dizia Nietzsche “a consciência é a voz do rebanho, conduzindo-nos não por aquilo que pensamos, mas por aquilo que os outros possam pensar”. Serve, muitas vezes, de refúgio de procedimentos reprováveis, quando dizemos “estou de consciência tranquila”.

Falar em nome da consciência é criar responsabilidade, em função de valores ou normas. Há um círculo entre consciência ética e a responsabilidade: porque somos eticamente conscientes, somos responsáveis, e, porque somos responsáveis, somos eticamente conscientes. E isso significa ser capaz de responder a uma acusação. Se me perguntam por que agi de tal forma, tenho uma razão para justificar o meu procedimento.

A ética tem a ver com as convicções que, na minha consciência, me levaram a agir, mas também, como diria Weber, com a responsabilidade das consequências das minhas acções.

A ética conjuga-se na primeira pessoa: cria o sentido que damos ao homem, ao mundo e à vida e serve para nos orientar no nosso modo de ser, viver e agir. Implica, por isso, uma antropologia (a ideia que temos do homem) e uma cosmologia (a ideia que temos do mundo). Se temos um bom conceito do ser humano, naturalmente não vivemos de costas voltadas uns contra os outros, como se morássemos numa ilha deserta, entregues aos nossos próprios recursos. Se consideramos que o mundo é a casa de todos nós, acautelamos hoje os riscos ecológicos do futuro.

A sociedade constitui-se como uma rede de relações interactivas, obrigando-nos a partilhar projectos, assumir compromissos e a intervir em causas de solidariedade, como bem fica expresso nas respostas à tragédia do Haiti.

Os Romanos já tinham dito que três princípios morais tornam a existência feliz: “honeste vivere, alterum non ladere e suum cuique tribuere». Ou seja, a ética (ou moral) é viver honestamente, não causar danos a ninguém e dar a cada um o que lhe pertence.

Só na primeira pessoa se pode conjugar a ética e é assim que nos tornamos mais solidários, mais fraternos e mais justos.

É para isso que serve a ética.

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