domingo, agosto 09, 2009

 

Do grau zero da política à cidadania em rede

No semanário "Grande porto", coloquei o sguinte texto:

A violência verbal, o disse que não disse, a chuva de promessas sem substância, os jogos de ilusões e um discurso falacioso, sem qualquer sentido de responsabilidade, têm um significado político neste período eleitoral: ausência de uma reflexão sobre o País. Sem essa reflexão não se podem formular propostas que mobilizem os eleitores para superar os graves problemas em que nos encontramos. E, porque falta esta reflexão, falta dignidade à política que leve a guardar-lhe respeito.
Ninguém dá, hoje, importância aos políticos, a não ser os que têm a tarefa de os comentar. Vivemos um tempo que faz lembrar o vivido por Maquiavel. O Estado divorciou-se dos cidadãos e os espaços públicos (as assembleias) deixaram de ser entendidos como espaços vinculados ao mundo da vida, onde se vivem os reais problemas do País. Hoje, são apenas o palco das lutas pelo poder, onde os fins justificam todos os meios. A política tornou-se numa rua de má fama, mais próxima do inferno dantesco do que do paraíso das utopias.

A “elite”, que vinha da tradição da resistência ao fascismo, formada por académicos, livres-pensadores, gente de causas, pessoas de bem e que prezavam os bons costumes, desapareceu. Os que ficaram estão desmemoriados e tornaram-se “compagnons de route” duma nova “elite” de tipo berlusconiano: trampolineiros, semeadores de ilusões que nunca trabalharam, estrelas menores do espectáculo e oportunistas de todos os quadrantes. Esta nova “elite” rodopia em torno dos profissionais da política, conhecem as suas mazelas e delas se aproveitam para acumular poder e desprezar a responsabilidade moral. E, como diria Maquiavel (in: 'Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio), já não querem só parcelas de honra, nem os empregos que mais lhes convêm, mas também abocanham os melhores pedaços do orçamento dos contribuintes.

A corrupção, ao grassar como nunca se viu, é o sintoma claro de tudo isso. Por melhor que funcionasse a justiça, ser-lhe-ia sempre difícil pôr cobro a esta situação. É que a luta contra a corrupção não é apenas jurídica: precisa da educação para os valores, que o aparelho de estado funcione sem as pesadas burocracias que o simplex ilude, que a escola cumpra o seu papel de formar cidadãos responsáveis e profissionais competentes, que a Igreja se ouça como uma voz de referência e que o neo-liberalismo, ao colocar a cidadania no plano jurídico (em vez do ético), não a castre.
Abre-se, agora, uma oportunidade. O novo paradigma da “sociedade em rede”, de que falou Castells pode alterar esta situação. Vão-se formando grupos de defesa dos consumidores, fazem-se petições. Criam-se movimentos ambientalistas, anti-racistas, clubes de reflexão, organizações de luta contra a fome e a pobreza e, em rede, (através da internet e dos blogs), todas estas organizações vão ganhando visibilidade e força.

Uma cidadania mais consciente, melhor informada e mais activa, numa comunicação quase instantânea, começa a pressionar a sociedade política, a exigir dela mais qualidade e a obrigar os governos a corresponderem ao que deles sempre se esperou: sentido de bem-comum, espírito de serviço e transparência na gestão dos negócios públicos.
Os primeiros passos estão a ser dados! Esperamos que este novo paradigma da cidadania em rede nos retire da “vil e apagada tristeza” em que vivemos.



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