terça-feira, setembro 02, 2008

 

A escola, a democracia e a iliteracia

Os mais recentes estudos sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) revelam que a iliteracia funcional tem aumentado com a incapacidade da escola desenvolver hábitos de trabalho, capacidade de interpretação, gosto pela leitura e pela escrita; e com isso ter aumentado nos alunos a dependência da televisão. Entre as consequências desta situação está a perda de uma cidadania responsável, capaz de criar expectativas sobre um mundo mais justo e lutar por elas -- o que se reflecte na qualidade da democracia.

Como sabemos, um iletrado funcional é aquele que não dispõe de conhecimentos e competências adequadas a um correcto desempenho das suas funções. Recebe a informação, mas é incapaz de a problematizar, interpretar, perceber o sentido que a acompanha e dar-lhe um valor. Não constrói conhecimento, porque lhe falta o treino de reflexão que a escrita e a leitura proporcionam. Apenas recebe acriticamente o que lhe transmitem.

Quem lê e escreve desenvolve estruturas mentais diferentes daquele que só vê. Ler e escrever são actividades regidas por regras, obrigam a voltar atrás para melhor compreender e só se pode entender o significado das palavras compreendendo os efeitos que elas produzem. As imagens televisivas colocam-nos passivamente em contacto com a realidade e condicionam sentimentos e emoções, em vez de provocarem a reflexão.

Os políticos sabem-no muito bem e, por isso, preocupam-se mais com o “como dizer” do que com “o que dizer”. Se, por exemplo, repararmos bem no tom de voz, na expressão do rosto, nos gestos e nas frases curtas e assertivas que utilizam os políticos profissionais em frente a uma câmara de televisão, percebemos que tudo isso foi treinado para ter uma força cénica com que procuram obter a adesão do espectador. A isto se chama “política espectáculo”. Prefere-se o parecer ao ser, o marketing à resolução dos problemas, o espectáculo à realidade, o Maquiavel a Platão, o fazer dos cidadãos espectadores em vez de protagonistas de um mundo mais justo. E a iliteracia funcional harmoniza-se com essas preferências.

A Escola podia contrariar esta situação, mas a Escola de hoje serve mais as estatísticas do pseudo-sucesso do que prepara os alunos para serem protagonistas, exigentes no rigor, abertos à dúvida, capazes de filtrar a informação, conceptualizar, interpretar e analisar. Desvalorizou o trabalho na aprendizagem, baixou o nível de exigências e diabolizou o papel social do professor.

O resultado está à vista! Tornou-se actual o que no “Príncipe” escreveu Maquiavel: «São poucos os cidadãos que vêem claro e a maioria é fácil de enganar (...). São tão estúpidos e seguem tão de perto a necessidade de momento que nunca faltam vitimas ao impostor».

Mas esta situação tem consequências políticas previsíveis! O tempo de Maquiavel demonstrou-o.

Obs: texto que também publico em http://www.grandeportotv.com/catalog/welcome.do?hasFlash=yes

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