sexta-feira, setembro 28, 2007

 
É porque ninguém me ouve
e ninguém me vigia
e ninguém me acolhe
que a minha imaginação é livre
e o meu espaço permanentemente novo
Se algum deus habita este vazio
é o deus do vazio
um deus que perdeu a sua densidade enigmática
e é apenas o espectro de uma radiografia branca

Ergo como um insecto
as frágeis antenas para o espaço
Sinto a ébria lucidez
da minha liberdade
Posso dizer tudo porque a leveza é transparente
porque reconheço
os anéis do silêncio o leque
de uma linguagem nova
Na minha garganta abriu-se o poço do oásis
e o vento da imaginação sublevou-se nas minhas veias
Sei que habito as palavras com os meus lábios solares
ou os seus lábios de noite
É por elas que sinto o sabor do pão e da terra
e vejo as cintilantes arcas das constelações
Tudo é puramente imaginado tudo é prodigiosamente real

Ninguém me segreda os nomes que irei dizer
com a limpidez do sal ou duros e negros como a obsidiana
Ninguém me impede que envolva num arco
a cruel doçura de um sexo vermelho e puro
Ninguém me proibe que me multiplique que me dilate
para ser cada vez mais a floração do espaço
na sua liberdade de ser cada vez mais espaço

António Ramos Rosa

in: Os Animais do Sol e da Sombra
seguido de O corpo Inicial
edições: quasi
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Enviado por Amélia Pais

Comments:
Ramos Rosa é um ícone da poesia quer se queira quer não. Não é muito mediático. Mas a culpa não é dele...
 
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