sexta-feira, agosto 24, 2007

 

“Felizmente, há luar!...”, como diria Sttau Monteiro.

Felizmente já me retiraram os pontos que apertavam as fissuras deixadas pelos oito ou nove pólipos que tinha nos olhos. Devo confessar que estava cheio de “caguefes”.

Depois de vestir o fato branco, colocar o saco verde de plástico nos pés e me sentar na cadeirinha de rodas que me levou à sala da cirurgia, senti-me no papel daquele político que, em campanhas eleitorais, movimenta o olhar numa incansável e ávida busca de encontrar uma qualquer figura importante que lhe manifeste apoio. A única diferença estava no meu ar de assustado. Por experiência própria, tinha consciência de que os clientes da ADSE eram tratados à peça: quanto mais depressa despachados, mais se cobrava.

Não me importava que os pequenos quistos fossem arrancados com a mesma velocidade com que Sócrates fez desaparecer as referências que lembravam a sua engenharia em A4, mas queria que me fosse garantido poder continuar naquela postura clássica de só utilizar dois olhos únicos para, como diria Leonardo da Vinci, abrir os caminhos da beleza do mundo. Nunca apreciei o transgenitismo pos-moderno que aproveita mais que dois!...

Mal vi o médico, comuniquei-lhe as minhas preocupações. Felizmente, o jovem clinico, Manuel Domingos, estava distanciado do paradigma socratenho dos cuidados médicos à peça e soube ouvir e tratar-me com paciência, profissionalismo e simpatia. Quando for à Clipóvoa não quero outro médico!

Deitado na mesa da cirurgia, segui, então, a estratégia com que as balzaquianas, mesmo a revirar os olhos, conseguem resfriar os ímpetos mais escaldantes. E, enquanto o anestésico ia adormecendo os meus olhos, resolvi discursar: explanei, num exaltante solilóquio, as provas da existência de Deus aventadas por Tomás de Aquino e a elas contrapus a minha refutação com o argumento de que um ser perfeito se avalia pela sua obra e o facto de estar ali, sujeito à correcção de imperfeições, mostrava à evidência que o Teólogo não tinha razão.

Pressentia que o médico e as enfermeiras que o serviam nada queriam saber da tese que em voz alta desenvolvia, mas isso também pouco me preocupava. O que me convinha era dobrar o meu pensamento para um lado diferente daquele em que sentia os aparelhos a arrancarem os quistos que me prostravam naquele estado. E esse lado ficava no ouvir o meu verbo. Enquanto ouvia o meu discurso, esquecia os receios e sentia-me mais seguro em recuperar a capacidade de aprimorar as percepções que a vida, as pessoas e o mundo me proporcionam.

Uff!!!... foi a expressão que me saiu, logo que a venda me foi retirada. E ao limparem-me as vistas vi, como terá acontecido na aparição aos pastorinhos de Fátima, uns olhos lindíssimos de uma jovem enfermeira a olhar para dentro dos meus. Foi o restabelecimento duma doçura de repouso deslumbrante que voluptuosamente percepcionava há uns bons anos atrás!...

Só por isto valeu a pena a cirurgia!....

Comments:
Não me tinha contado essa da enfermeira, primo! Trouxe, ao menos, a "secretaria"?
 
Não, caro amigo! Eu já estou na fase da mera contemplação.
 
Seja bem regressado, seu grande olheiro:)
 
Minha Cara Amiga: o meu olhanço tornou-se logo numa contemplação mental.
 
Olá, Primo! Ainda bem que recuperou bem dessa operação, a tal ponto de ter dado com os olhos em cima da enfermeira (em que zona, interrogo-me eu filosóficamente...digo eu...).

Pelo texto, verifico que continua incorrigível...
 
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