quarta-feira, agosto 15, 2007

 

Apontamento de circunstância

Goebbels ficou conhecido pela frase: «sinto vontade de sacar o revólver, sempre que ouço falar em cultura».

Este desconforto nada tem a ver com a barbárie: apenas ilustra de forma muito clara a circunstância de quem obriga a cultura a dobrar-se ao poder para perder o sentido libertador que estava na sua génese. E é isto que parece estar a acontecer com o tempo em que vivemos, o tempo pós-moderno deste poder “socratino”.

Na tradição moderna, na qual se configurou o socialismo, o poder servia a emancipação do homem e era inseparável duma cultura aliada à moral na promoção dos fins libertadores da razão. “Sapere aude!” Ousa servir-te da razão, diria Kant.

A pós-modernidade substitui os princípios universais da razão pelos jogos da simulação retórica e transforma a cultura num adereço subordinado á vida pulsional. É, assim, que, por exemplo, vemos o discurso a ser conjugado na primeira pessoa ou nos imperativos pessoais (eu fiz…, isto é assim!..). Desprezam-se as referências do passado, substitui-se o livro pelos jogos de vídeo e coloca-se a acção política na omnipresença do simulacro, no marketing, no espectáculo, nos interesses segmentários.

Neste contexto, só inadvertidamente nos podemos escandalizar com o facto deste socratino Governo levar aos ombros Berardo até ao Centro Cultural de Belém, ajudando as suas acções a subirem na bolsa, e desprezar o centenário de Miguel Torga, o que este escritor, dramaturgo, ensaísta e poeta, significa na capacidade de dar voz à Terra, ao País e ao sofrimento dos que mais sofrem.

Este Governo é pós-moderno, está mais próximo de Goebbels que de Miguel Torga.

Comments:
Berardo e Torga!
Aqui o confronto que faltava!
Não me consta que Torga tenha "acções" com possibilidade de cotação na "bolsa"...

Torga é uma espécie de "rui costa",
para pior, claro!...
 
A comparação só está nas atitudes do governo, basta ler o texto.
 
Não me importo que discordem do que eu escrevo, mas não me ponham a dizer o que não digo.

Preso o direito de criticar e defendo o que penso com convicção.
 
Conheceu Torga? Parece-me que não. Foi melhor este afastamento. Para hipocrisias já bastam as que aconteceram
 
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