sábado, junho 16, 2007

 

O Silêncio do "R"

O RIVOLI foi criado em 1913 por republicanos e foi designado Teatro Nacional. Não esquecer que, nessa altura, a fama de Guilhermina Suggia, nascida no Porto, orgulhava os portuenses e havia quem garantisse que a Philarmonia desta Cidade era a “moldura musical em que se enquadrava o génio das virtudes das artes do espectáculo em Portugal” e precisava de uma casa do espectáculo.

Dez anos depois, a burguesia liberal do Porto cotizou-se para modernizar essa casa e deu-lhe o nome “Teatro Rivoli”. Tornou-se, então, uma espécie de palco dos criadores do espectáculo, das escolas de dança, do teatro e da ópera do Porto. Por lá passaram nomes célebres de homens e mulheres portuenses do espectáculo.

Na década de 70, a Casa degradou-se e acabou por ser comprada pela Câmara Municipal do Porto. A autarquia pretendeu, com o dinheiro dos contribuintes, devolver essa estrutura à Cidade. Voltou, assim, a ser o palco público da Cidade aberto a debates, a pequenos concertos, a workshops, a oficinas de dança, de teatro, etc.

Naturalmente, muitos dos seus eventos não enchiam as suas salas. Mas a cultura que faz o futuro não germina entre as multidões de hoje. Lembro-me da primeira exposição de Amadeu de Sousa Cardoso: a maioria detestou e escarraram nos seus quadros. Hoje, ninguém se lembra dos que achavam que as suas pinturas ocupavam, inutilmente, os espaços duma sala de exposição. Assim acontece com as artes do espectáculo que não regalam os olhos das multidões.

La Féria diz ter encontrado no Porto dezenas de artistas de grande talento, todos muito novos, que fazem o elenco do seu espectáculo “Jesus Cristo Superstar” Mas foi necessário que um palco a montante os tivesse formado. Esse era o papel do Rivoli.

Há, hoje, a estudar teatro e cinema nos E.U. (alguns conheço-os bem) rapazes e raparigas que passaram pelos workshops, oficinas de teatro e cinema, nomeadamente “Fazer a Festa”, que tiveram lugar no Rivoli.

Que palco com dignidade a Cidade tem para oferecer, agora, a grupos de teatro como o Teatro de Marionetas do Porto, Teatro de Ferro, Assédio, Boas Raparigas, Ensemble, Teatro Bruto, Visões Úteis, Teatro Plástico, Panmixia, Art'Imagem, Teatro do Bolhão/ACE, Palmilha Dentada, etc?!...

E que acontecerá ás inúmeras escolas de teatro que existem no Porto?!... Será que desaparecerão para Lá Féria criar a sua escola, como prometeu paradoxalmente (já que não precisou dela para encontrar as tais dezenas de talentos)?!...

Não se pode ignorar que o Porto, até há bem pouco tempo, foi a Cidade com mais escolas de teatro.

Rio não consegue aprender com o que aconteceu a Amadeu de Sousa Cardoso e justificou a opção pela privatização da gestão do Rivoli com os elevados custos na sua manutenção. A cultura é o pão do espírito. Como diria Brecht, se a cultura (esta forma minoritária de produzir arte) dá despesa, invistam na ignorância. E, por iguais motivos, não recolham o lixo que dá despesa, não abram escolas que dão despesa, não ponham a funcionar hospitais, que dão despesas, etc., etc. acabem com o subsidio-dependente que põe a funcionar tudo o que dá despesa.

Regina Guimarães (e é bom ver o trabalho desta dramaturga no “google”) na sua luta contra a entrega do Rivoli à exploração privada, considerou «obscena, a política de desamparo e desapoio» do actual executivo camarário.

O centro do Porto está permanentemente esburacado, com obras que se fazem e desfazem para de novo volatarem a ser feitas, numa estranha forma de esbanjar dinheiro que prejudica o comércio tradicional e complica a vida de quem anda na Baixa. Os prédios degradam-se e muitos ameaçam ruir. O medo instala-se à noite, criando receios que esvaziam as ruas.

Entretanto, os espectáculos de Lá Féria vão regalar, por alguns momentos, os sentidos de quem está seguro no interior do Rivoli e tem ali, mesmo à porta, um parque subterrãneo para guardar o carro que o levará a casa.

Naturalmente, ninguém está contra os espectáculos de La Féria, mas o Teatro Rivoli era uma referência genuína e única para a alma do Porto. E esta alma que tornava o Porto na "mui invicta, nobre e leal Cidade" vai-se perdendo.

Por isso, anteontem tive pena de não estar com um "R ", em silêncio, do lado de fora do ex-Rivoli.

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