sexta-feira, junho 22, 2007

 

De Melgaço até à Lixa

Depois de um agradável convívio em Melgaço, no Restaurante Sossego, tomei o rumo da Lixa para levar um bom amigo à Casa de Cultura de Leonardo Coimbra, onde iria fazer a apresentação do IV volume das obras completas deste filósofo.

A obra deste pensador, que nasceu na Lixa em 1883, ocupa um lugar central na actualidade. E há razões para isso: vivemos, hoje, um tempo de incertezas, de desilusões e de esvaziamento de valores como aquele que foi vivido por Leonardo Coimbra. Só se pode sair desta crise reflectindo sobre a natureza do homem e esse é o papel do filósofo que quer rasgar ideias para o futuro. Aqueles que duvidam da importância da filosofia deveriam procurar conhecer a obra deste Filósofo, as ideias que orientaram a sua intervenção cívica e política.

Álvaro Ribeiro, um outro filósofo português, escreveu: «nunca ninguém, como Leonardo Coimbra, seguira tão perfeitamente o lema escatológico de Augusto Comte: “vivre pour autrui” – ou seja, viver para o outro». A sua reflexão é uma busca do papel da pessoa humana na construção de um Futuro. Há na sua obra um personalismo existencial que repudia uma espécie de fatalismo histórico, onde o homem surge como inutilidade descartável num mundo já feito.

Para Leonardo, o homem «é obreiro de um mundo a fazer-se (…) um Quixote do infinito». O homem, como diria Teilhard Chardin, é o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas. Não é «um cadáver adiado que procria», como pensou Fernando Pessoa, nem uma «paixão inútil, como afirmou Sartre e muito menos uma efémera «poeira das estrelas», como disse Sagan. É, como sublinhou Leonardo em “Deus e as Mónadas”, uma mónada livre e amorosa que procura o absoluto. E é neste conceito que se compreende a sua filosofia criacionista que pode ser sintetizada na seguinte frase de Teilhard de Chardin: «tudo o que sobe, converge». Isto é, se o ser humano é por natureza transcendente, procura “subir para além de si”, a sua vida em sociedade deve convergir no sentido duma elevação espiritual, aspirando ao absoluto.

Não se pense que Leonardo levitava metafisicamente. Acreditava na transformação da sociedade pelo pensamento e, por isso, harmonizou as suas ideias com a sua intervenção cívica e política: criou, como ministro da educação, a faculdade de letras do Porto, fundou universidades populares, lançou um programa de alfabetização através da Sociedade dos Amigos do ABC, esteve com Teixeira de Pascoais na criação de “A Águia”, promoveu com Jaime Cortesão e outros o movimento da “Renascença Portuguesa” e fundou a “Seara Nova”. Sentindo-se desiludido com o Partido Republicano, ingressou na Esquerda Democrática

Deixou-nos em 1936, mas a sua obra continua incontornável para quem quiser pensar os problemas do nosso tempo.

Um bem-haja à “Casa de Cultura” da Lixa pelo lançamento do IV volume das obras completas Leonardo Coimbra.

Comments:
Parabéns! Uma excelente abordagem a um pensador que muito admiro e que se coloca num patamar ético e cultural muito acima da mediania.

Hoje em dia, com profusão mediática e intoxicação da opinião pública feita por certa mediocracia alçapremada ao pódio do poder, só vemos futebolite aguda e criação cultural sem dignidade, sem esse "halo de transcendência" que conduz à sublimação plena.

Leonardo Coimbra foi um "homem novo" no seu tempo. É, direi mais, um "Homem novo" para sempre.
 
Estão a desaparecer os grandes pensadores. Os oportunistas tomaram conta disto e falam como se fossem os donos da "linha justa".
 
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