sábado, abril 14, 2007

 

recordando Samuel Beckett

Aquilo a que se costuma chamar amor é um exílio
A coisa que mais me interessava no meu reino sem súbditos, em relação à qual a disposição da minha carcaça era o mais distante e fútil dos acidentes, era a supinação cerebral, o embotamento do ser e daquele resíduo de bugigangas irritantes a que se chama o não-ser, ou até, por preguiça, o mundo. Mas mesmo hoje em dia, aos vinte e cinco anos, o homem está à mercê de uma erecção, fisicamente também, uma vez por outra, é o que cabe a cada um, nem eu estava imune, se é que se pode chamar àquilo uma erecção. Ela naturalmente apercebeu-se, as mulheres cheiram um falo no ar a mais de dez quilómetros e perguntam-se: Como é que ele me conseguiu ver dali? Um tipo deixa de ser ele próprio, nessas alturas, e é doloroso não ser ele próprio, ainda mais doloroso do que quando o é, digam o que disserem. Porque, quando se é, sabe-se o que é preciso fazer para ser menos, mas, quando já não se é, é-se um tipo qualquer, irremediavelmente. Aquilo a que se costuma chamar amor é um exílio, com um postal de casa de vez em quando, eis o meu pensamento para esta noite.

Samuel Beckett in::Primeiro Amor

Enviado por Amélia Pais

Comments:
O amor...
o amor...
esse poderoso sentimento que tão depressa nos inflama como nos mortifica...

Destaco este pequeno fragmento que diz muito sobre aquele poder:

"Um tipo deixa de ser ele próprio, nessas alturas, e é doloroso não ser ele próprio, ainda mais doloroso do que quando o é, digam o que disserem. Porque, quando se é, sabe-se o que é preciso fazer para ser menos, mas, quando já não se é, é-se um tipo qualquer, irremediavelmente."
 
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