segunda-feira, abril 16, 2007

 

(Fragmento de Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos)














Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove)
E vejo um gato branco à janela de um prédio bastante alto
Penso que a questão é esta: a gente—certa gente—sai para a
rua,
cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória
e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos!
Contudo e já agora penso
que os gatos são os únicos burgueses
com quem ainda é possível pactuar—
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a ...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou
inteiramente o gato
mas de gato para cima - nem pensar nisso é bom!
Propalam não sei que náusea, revira-se-me o estômago só de
olhar para eles!
São criaturas, é verdade, calcule-se,
gente sensível e às vezes boa
mas tão recomplicada, tão bielo-cosida, tão ininteligível
que já conseguem chorar, com certa sinceridade,
lágrimas cem por cento hipócritas.


Mário Cesariny,
In. NOBILÍSSIMA VISÃO (1945-1946)
______________
Enviado por Amélia Pais

Comments:
Belissimo poema...
hoje deparei-me com algumas criaturas!
Quem dera ser gato!
 
As metáforas são excelentes para traduzir, de uma forma brilhante, o tema.
 
Aseante disse...
Maravilhoso poema.... Parabens , mais uma vez, à Amélia Pais e a si por o ter compartilhado connosco. Lembro-me da extraordinaria declamação deste poema pelo soudoso Mário Viegas, no vinil chamado Palavras Ditas.
è insuperável( às vezes) o Mário CesarinY. Um Abraço!!!
 
O poema é lindo. E eu gosto da maioria dos poemas que a Amélia Pais me envia por mail.Não posso colocá-los todos, porque seria plagiar o seu blog.
 
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