terça-feira, fevereiro 13, 2007

 

“Arripias Corpus”, antes que a Justiça apareça!...

O programa “Prós & contras” da RTP1 tem cada vez mais interesse, não tanto por aquilo que nele é dito, mas, sobretudo, por aquilo que deixa entender.

Ontem, tratou, mais uma vez, da questão da Justiça. E mais uma vez ficou claro que a crise da Justiça não se manifesta só na relação entre a justiça e os cidadãos, mas lavra no próprio interior do sistema.

Não se percebe que os juízes pretendam que os cidadãos entendam as suas decisões, se eles próprios não se entendem entre si! Isso foi evidente no debate sobre o princípio da reserva (uma espécie de lei da rolha), o princípio da oportunidade (uma espécie de instrumento da arbitrariedade) e sobre o princípio do “habeas corpus”.

Se cada signatário do “habeas corpus” tiver de pagar custas judiciais no valor de 480 euros, como garantiu o Juiz Conselheiro Fischer Sá Nogueira e com muitas indecisões os restantes juízes, em vez de um “habeas corpus” (para evitar o abuso do poder) teremos um “arripias corpus”.

De facto, com esta interpretação da lei não podemos encontrar melhor imagem para o princípio constitucional duma Justiça ao serviço dos cidadãos.

Já não sei se a crise da justiça é o reflexo da crise desta sociedade ou se a crise desta sociedade é o reflexo da crise da justiça.


Com o custo de vida a crescer todos os dias, o melhor será instituir na Constituição o “ARRiPIAS CORPUS”, antes que a Justiça apareça!...

Comments:
Caro amigo, começo por lhe dizer que tenho até receio de comentar este seu post. As coisas da justiça, por vezes, apaixonam-me sem limites. Hoje menos do que ontem, é certo, e ontem menos do que há umas semanas e por ai fora, retroactivamente. Diz a minha doce mãe, em tom de clara ironia, que desde muito pequena me ouvia dizer que um dia queria ser advogada e ter, imagine-se, um volvo!! São, de facto, duas paixões. :-)

E por isso, falo, às vezes, sobre esta matéria com o coração, o que nem sempre dá bons resultados.
Por outro lado, tenho um enorme defeito: raramente consigo ficar passiva nas matérias que me apaixonam!! Conclusão? Nem sempre acerto, como está fácil de ver. Mas conto com a sua tolerância.
Começo por esclarecer que não vi o programa, mas já li algumas opiniões de quem viu.

Do seu texto, começo por salientar isto: “ficou claro que a crise da Justiça não se manifesta só na relação entre a justiça e os cidadãos, mas lavra no próprio interior do sistema”. Isso parece-me mais ou menos consensual. Embora ande cá há pouco tempo, já me apercebi que existe uma espécie de concorrência desenfreada dento do próprio sistema, o que leva, muitas vezes, a práticas menos correctas ou leais. Mas não será dessas que hoje me ouvirá aqui falar (ou melhor, escrever).
Prefiro falar duma coisa que me preocupa muito mais e que está, a meu ver, na génese de muitos dos problemas: a formação dos senhores juízes. Não sei em que moldes ela está a ser feita, por quem está a ser ministrada, com que conteúdos ou incidências, etc, etc, mas quer-me parecer que passa tudo por ai. Já disse que não ando cá há muito tempo, mas ando há tempo suficiente para poder dizer que sinto que a diferença entre o "hoje" e o há "uma dezena de anos" atrás é abismal. Costumam dizer-me que sou muito critica quanto se fala de magistratura. E eu costumo responder, que me dêem motivos para o não ser. Incomoda-me ver um juiz a despachar ou a consultar processos enquanto se produz prova, incomoda-me que aceite e incentive receber recados do funcionário durante a produção de prova, incomoda-me ouvi-lo dizer, com alguma frequência, “o sr. advogado já viu as horas?” incomoda-me ver alguns atropelos, incomoda-me perceber alguma parcialidade, incomoda-me perceber que a decisão pode estar tomada ainda antes da produção da prova, incomod-me perceber que existe permeabilidade entre MP e o juiz que decide, incomoda-me ver exigencia de boa compostura aos arguidos, testemunhas, etc, e, nem sempre, eles próprios, adoptam a melhor postura na sala de audiências, etc, etc. Depois espantamo-nos que a justiça ande pelas ruas da amargura, que tenha perdido o pretigio e caido no descrédito??!!. Estes predicados são transmitidos à justiça por quem opera nela, logo, há que reconhecer o que não está bem e ter coragem de alterar e trabalhar no sentido de melhorar. Eu, pessoalmente, continuo a constatar que os problemas maiores decorrem, aquele nível, de alguma imaturidade e juventude dos juízes. Alguma insegurança e inexperiência estão, muitas vezes, na base de precipitações, atitudes menos correctas, alguma arrogância e impetuosidade, etc.
Desculpe este desabafo, mas já que falamos de justiça e de juízes convém realçar que as coisas começam por aqui. É na 1ª instância e para o cidadão que recorre todos os dias aos tribunais que os senhores juízes trabalham, convém não esquecê-lo.
 
Acabei por não dizer que a mim não me desagradava nada, pelo contrário, que cada signatário do “habeas corpus” tivesse de pagar os 480 euros. Aliás, depois de ouvir o sr. dr. Fernado Silva, a dizer que o escritório dele assumiria todos os custos decorrentes do habeas corpus, o meu desejo de que assim seja aumentou consideravelmente. Acho justo que depois dos dividendos que retirou do caso assuma as despesas. Ok, estou a ser um bocadinho maldosa. Mas, que quer?, não consigo gostar do homem!! Toda aquela actividade e protagonismo na tv cheirou-me a aproveitamento e eu detesto oportunistas!!
Pronto, calo-me para não dizer mais asneiras.
 
Não me parece que o dr. Fernando Silva tenha cobrado alguma coisa pela iniciativa do habeas corpus, pois julgo que pertence a uma associação de pais que adoptam crianças. Mas mesmo que cobrasse, continuaria a pensar que não é assim que se pode promover o direito dos cidadãos lutarem contra o que julgam uma manifestação arbitrária do poder.

Quanto ao resto eu estou de acordo consigo. Lembro-me de duas constatações que me surpreenderam como autentico choques psicológicos. a primeira foi ver, em 1973, com os próprios olhos, que afinal existia arame farpado a delimitar a Checoslováquia; a segunda foi o sentir o funcionamento da Justiça, quando pela primeira vez entrei no tribunal do Marco como arguido, acusado de caluniar Ferreira Torres. A partir dessa altura formei a minha ideia dos tribunais e tudo o que diz e tenho ouvido já não me espanta. Acredite que tenho muita pena que seja assim. Continuo a pensar que sem uma justiça credível não há democracia.
 
Então caro amigo, se pensa assim e já esteve num tribunal enquanto arguido, sabe que os advogados são imprescindíveis e que, muitas vezes e em muitas circunstancias, eles são o próprio fiel da balança, o garante da própria legalidade. Quantas arbitrariedades não se cometem quando não há um advogado por perto!!?? É obvio que não somos todos iguais, mas não me agradam generalizações em alguns assuntos.

A esta dúvida: "Já não sei se a crise da justiça é o reflexo da crise desta sociedade ou se a crise desta sociedade é o reflexo da crise da justiça." respondo: uma coisa está intimamente ligada à outra e vice versa. É um ciclo vicioso. Maus cidadãos dão maus juizes e maus juizes dão sentenças infelizes e injustas!!

Não sei se o dr Fernando cobrou ou não honorários, mas não era desses divendos que eu falava. Por vezes, semeia-se hoje para colher à manhã. Nem sempre me agrada a forma e modo como se semeia.
 
Ah! Um dia ainda havemos de arranjar tempo para me contar essa história de ter entrado no tribunal do marco como arguido e, se bem entendi o que escreveu num outro comentário, deprendo que não terá corrido bem!!
 
Não correu bem. Fui absolvido. O meu dvogado foi meu colega. Foi o Vigario santos silva e o advogado de Ferreira torres foi Gil Moreira, que no tempo da outra senhora fazia parte dos tribunais plenários, Como vê até deu luta.
 
"Não correu bem. Fui absolvido"??
Há aqui qualquer coisa que me está a escapar!! Deixe lá, talvez mais tarde entenda. Uma boa noite para si.
 
Fala-se em assuntos sérios e... até me esqueço de elogiar este seu bom humor: "Com o custo de vida a crescer todos os dias, o melhor será instituir na Constituição o “ARRiPIAS CORPUS”, antes que a Justiça apareça!..."
Eu concordo e sugiro que façamos um referendo para perguntar aos portugueses se devemos ou não instituir o arripias corpus!:-)
 
Boa noite, Caro Primo de Amarante;

Confesso, adoro ler coisas sobre Direito e ver filmes de advogados, mas como sou leiga não me pronuncio para não dizer 'disparates'.

Quanto ao “habeas corpus”, quando ontem li a notícia num blog achei um bocado surrealista e assim se veio a revelar hoje. Mas já hoje num qq telejornal da noite surgiu um caso de uns sargentos que assinaram uma petição de “habeas corpus” e foram condenados a pagar cada um os tais 480 euros. Recorreram, perderam, e foram condenados a pagar mais 480 euros cada um, o que vai reverter em 20 mil contos para os cofres do estado.

Interessantíssimo, não acha? :)

Um abraço.
I.
 
Bem vinda, carissima prima.

Obrigado pela seu comentário
 
"Não correu bem" deveria ter (?!...). Não sei por que não apareceu! E só agora reparei.Queria problematizar, para dizer que me tinha corrido bem, cara LN. E mais, numa acção que movi ao dito por ameaças e insultos ganhei-a. Recebi quinhentos contos que, depois de fazer todas as contas, foram gastos num lauto almoço, com vivas à Reública e à democracia. Ainda tenho a cópia do lençol do tributo. Fica para a minha prol não se esquecer que se deve lutar por aquilo em que se acredita.

Um abraço
 
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