segunda-feira, janeiro 29, 2007

 

Contradições incompreensíveis!...

A campanha do referendo está aí, em força!

Os defensores do “Não”, para serem consequentes, deveriam ter por lema “Quem faz um filho, fá-lo por gosto”.

Não me parece que alguém, imaginariamente, possa dizer, que se pudesse pronunciar-se sobre o direito à sua vida, reivindicava nascer contra o desejo, a afectividade, o amor dos seus pais e, ainda, que pudesse crescer sem condições económicas, sociais e psicológicas que lhe permitisse um desenvolvimento com a dignidade inerente à sua condição de ser humano.

E se estes direitos são, imaginariamente, exigidos para nós, por que não os deixamos á consideração das mulheres grávidas?!...

A maioria dos defensores do “Não” nos seus argumentos, fazem lembrar o ministro japonês da Saúde, Hakuo Yanagisawa, que, de forma directa e sem rodeios, qualificou as mulheres como «máquinas de fazer crianças».

Mas, enquanto no Japão uma tal “tirada” provocou a ira das mulheres, levando a escritora Michiko Yoshinaga a afirmar que tais considerações demonstravam a «verdadeira face» do ministro (e aconselhou-o a tentar perceber as razões que impedem as japonesas de ter mais crianças), em Portugal, muitas mulheres ainda não deram conta de que o “Não” à despenalização da IVG é tratá-las como meras “máquinas” de fazer filhos.

O que está em causa neste referendo não é propriamente o aborto, mas saber se a mãe deve ou não criar os filhos que deseja, que quer amar e torná-los felizes.

Por isso:

Não se percebe por que os defensores do “Não” estiveram calados quando a reforma do Código do Trabalho reduziu a licença de maternidade!

Não se percebe por que os arautos do direito à vida consideram um crime a IVG e não se interrogam sobre as razões sociais, económicas e psicológicas que levam uma mulher a interromper a gravidez!

Não se percebe por que não se quer para todas as grávidas o mesmo “direito” que sempre teve quem tem dinheiro para procurar uma clínica para interromper com segurança uma gravidez indesejada!

Não se percebe por que se quer fazer da União Europeia uma referência para as leis do trabalho e já não se siga essa referência para as leis que regulam a IVG!

Nos 27 países da União Europeia, só Portugal, Malta, Irlanda e Polónia perseguem as mulheres que interrompem voluntariamente a gravidez, o que é considerado uma “vergonha” e um “atraso cultural”.


Ser pela compreensão das circunstâncias que levam uma mulher a, dramaticamente, interromper a sua gravidez é dar o direito a “quem faz um filho, fazê-lo por gosto”.

É este o sentido do voto no “SIM”.

Dizer SIM é dar o direito á mulher a poder consubstanciar, sem medos, o seu contrato com a vida que tem em si, por forma a dar sentido á sua maternidade.

Comments:
Esta sua faceta humanista e solidária insiste em esgrimir argumentos a favor do sim. E quando eu pensava já ter ouvido (ou lido) todos, reparo que consegue chamar novas formas de análise do problema. Gostei.
Sabe, há dias que ando para ir ver na lei que direitos estão consagrados a favor dos nados-vivos e nados-mortos, mas acabo sempre por não o fazer. Talvez consiga dar-me a esse trabalho amanhã.
 
Estou a ler o romance histórico sobre D. António Ferreira Gomes ("As pregas do véu de ombros" de Jorge Cunha).

Hoje li uma frase de D. António (no livro é Tomás) que me deixou a pensar.

Diz D. António: «Nas decisões comuns, ponderem-se os bens; nas decisões extremas, prevaleça a decisão da consciência"

Não lhe parece que esta deveria ser a bandeira de todos nesta questão da IVG?!...

Eu penso que sim!
 
Vou ouvir o debate sobre a IVG no canal 1.
 
Sem dúvida caro amigo.
 
Carissima In:
concepturo- aquele que ainda não foi concebido. A Lei protege os interesses dos concepturos em certos casos. Têm capacidade sucessória testamentária ou contratual, desde que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão ( Cfr. artºs 2033º, nº 2 e 2240º c.c.), tendo nos mesmos termos, capacidade para adquirir por doação ( artº 952º c.c.). A Lei designa o concepturo por nascituro não concebido.
Nascituro:Em sentido estrito, é aquele que, tendo sido já concebido, ainda não nasceu. Não tem personalidade jurídica o nascituro, mas a Lei tutela os seus interesses em certos casos, dependendo os direitos que a Lei lhe reconhece do seu nascimento ( artº 66º c.c. ).
O nascituro tem capacidade sucessória geral ( cfr. art.s 2033º e 2240º, c.c. ) e capacidade para receber doações ( artº 952ºc.c.). O artºs 1847º, 1854º e 1855º, do c.c., permitem a perfilhação de nascituros.
 
A lei que refere é para proteger herdeiros e nada tem a ver com o debate colocado pelo referendo, nem com o conceito de vida humana.

A ordem jurídica naturalmente tem de proteger a esperança de uma concepção.

O nascituro é apenas uma esperança de “sujeito jurídico” e é como esperança que é protegido.

Pode até ser apenas uma esperança de ser concebido por determinada pessoa viva ao tempo da abertura do testamento.

O referendo coloca uma questão que nada tem a ver com protecção de um testamento a um nascituro, mas com outra questão que é, como se sabe, a seguinte: «Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Se o SIM vencer desaparece do código penal a pena de prisão até 3 anos para as mulheres que recorrerem à IVG e criam-se condições para, nas primeiras 10 semanas, a mulher que quer interromper a sua gravidez ser aconselhada para uma decisão responsável e fazer a IG em condições de segurança médica.

Se o NÃO vencer fica tudo na mesma.

Onde há um testamento para um nascituro, naturalmente a mãe deseja concebê-lo e, por isso, defende essa esperança de vir a ser uma "pessoa jurídica" que só acontecerá com a maioridade.
 
Eu sei, Primo. O que escrevi nada tem a ver com a matéria da IVG. A carissima comentadora in é que disse que ia ver umas coisas, eu vi outras, que achei interessantes.
Mas, desde já, lhe vou dizendo, com sinceridade, possivelmente, votarei sim. Não só pelos excelentes posts que tem escrito, que me ajudaram a reflectir mas também doutras leituras. Excelente , igualmente, é o artigo do Frei Bento, na edicão do Domingo passado no Público, de 28,01,07. Leu-o?
 
Olhe, eu não quero influenciar ninguém: apenas gostaria de provocar debate e partilhar reflexões. No fundo, exercer o direito de cidadão que cria expectativas e luta por elas.

Continuo a ler o romance sobre D. António. Já estou quase a acabar. Penso que, de facto, é um romance ético. Coloca aquilo que no meu entender constitui a substância da ética: os direitos de consciência. E sempre foi a defesa desses direitos (que, como diria Kant, são também deveres - de formar uma consciência cada vez mais lúcida e, por isso, capaz de avaliar consequências das acções que orienta) que marcou a vida de D. António.

A crise de valores desta sociedade pragmatista é, de facto, o resultado da ausência duma formação estruturada da consciência, que leve as pessoas a saberem pensar por si e assumirem os deveres de amor á verdade. Não há sinceridade, sem amor à verdade e é este compromisso que faz a disponibilidade para partilhar ideias e corrigir erros.

Só assim, se pode falar daquilo que se acredita, só assim se é sincero e não um palrador do que é conveniente ou oportuno ou interessa fazer crer que se acredita. È este o pensamento que fui percebendo que atravessa o livro.
 
Não se trata de influenciar, quem quer que seja. todos somos seres pensantes. Todavia, não me repugna aprender com os outros, antes pelo contrário. Gosto de aprender com quem gosta e sabe ser pedagogo. Tenho reflectido , visto e ouvido algumas coisas. Olhe nas paróquias de SªMª.Feira têm cartazes com « abortos », que me repugnaram, cujos padres aconselham os paroquianos a espalharem fotocópias pelo mundo; Algumas homilias intolerantes e infelizes, enfim... tem sido uma infelicidade. Só agora percebi que não consigo tolerar fundamentalismos.Sou da tolerância. E sempre disse que nunca quis mulheres na prisão por abortarem. Sou pela despenalização e pela vida, ao mesmo tempo. Mas também me choca que em plemño sec. xxi, em Portugal, ainda haja que não saiba o que são contraceptivos. Por outro lado, fundamentalistas do sim também os há.
Penso que o Frei Bento está na linha do D. António. Há que aprender com os bons.
Quanto ao romance vou na pag. 94, e estou a gostar muito, mesmo muito. a fls. 52, quando o romancista Doutorado em Teologia diz, nas palavras de Luís André « a descoberta da pílula contraceptiva, entre outras coisas, faz de nós os primeiros seres humanos que podem amar-se de maneira personalista..» Considero que há futuro para a Igreja Católica impulsionados com esta geração de padres novos, realistas e racionais. Algo há-de mudar para melhor.
E, obviamente, todo o pensamento do Bispo Tomás é de uma actualidade, esperança, tolerância, e inconformismo que muito dizem de um grande português.
Abraço
 
Neste debate sobre a IVG vai sobrando, sobretudo, confusão.

E isso é preocupante!

Parece que ninguém quer debater ideias, mas “empanturrar” o outro com as suas posições religiosas ou ideológicas. Repete-se até á exaustão as mesmas frases feitas, sem atender aos argumentos contrários.

Não se quer compreender que a questão da IVG é uma questão limite na consciência da mulher e, por isso, não se dá à consciência o que só a ela diz respeito.

Sempre fui contra o conceito farisaico da superioridade moral nos católicos (outrora era nos comunistas).

É este farisaísmo que faz o preconceito de achar que as mulheres que engravidam não têm consciência moral e, por isso, precisam de um braço armado atrás das suas vidas.

Naturalmente, é preciso formar melhor as consciências de todos nós e, sobretudo, dar condições a que a mulher possa estabelecer um contrato com a vida que traz em si, para que essa vida ganhe estatuto de ser humano e possa ser gerada com amor e dignidade.

E é curioso que quem retirou direitos à maternidade venha, agora, como fez o Bagão Félix, apregoar moral, falando, inclusivamente, no dever de proteger testamentos a nascituros. Há gente que tem da moral uma concepção ardilosa, instrumental, e não uma postura de vida.

E é, assim, que se configura a hipocrisia no seu estado farisaico mais repelento.
 
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