segunda-feira, novembro 20, 2006

 

A tolerância.

No próximo mês de Dezembro celebra-se mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Numa altura em que se discute a questão da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a efeméride tem, este ano, uma importância acrescida.

A intolerância, a hipocrisia e o cinismo relativamente a esta matéria justificam uma reflexão sobre a “Carta sobre a Tolerância”que há mais de três séculos, no Inverno de 1685/86, o filósofo John Locke, então na clandestinidade, escreveu e que iria marcar decididamente a modernidade.

Tratou-se da primeira reflexão sobre a tolerância religiosa com base, não só nas relações entre o Estado e a Igreja, mas também na defesa dos direitos naturais do homem.

O problema que está na origem da ideia lockeana de tolerância (como referi num livro sobre este tema que publiquei nas edições Afrontamento) pode resumir-se à seguinte questão: os príncipes e magistrados, que detêm o poder político, têm o direito de impor aos súbditos as crenças que estes devem adoptar e policiar a prática das mesmas?!...

Locke articulou a resposta com uma reflexão sobre o problema das convicções e da organização política do Estado, ou seja, com a teoria do conhecimento e a filosofia política.

Considera que o caminho das convicções ou pertence ao foro privado ou funda-se na experiência. Sendo assim, o conhecimento avança descobrindo que ignora o que julgava saber.

Porque ignoramos mais do que o que conhecemos, ninguém pode impor autoritariamente verdades absolutas.

A convicção tolerante é, então, a que não pretende o poder de coagir as convicções dos outros. Define um critério: a verdade não se impõe, mas propõe-se. E é nisto que, no seu entender, reside a principal característica da verdadeira Igreja.

Sobre o papel do Estado, Locke é claro: a religião não pode ser a ideologia de um Estado totalitário. É o bem-comum (e não a salvação da alma) que justifica a organização política do Estado.

Partindo da ideia de direito natural à liberdade, à propriedade e à igualdade, defende que a organização política do Estado legitima-se pelo acordo que resulta dum entendimento entre os cidadãos.

Mas a vontade geral maioritária que institui o contrato, não faz a transmissão dos poderes de cada indivíduo para o soberano: apenas os delega. Locke funda, assim, a ideia de um Estado democrático e laico.

O poder do governo civil deve restringir-se aos interesses civis e nenhuma autoridade tem sobre o espaço privado das crenças individuais.

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