sábado, setembro 30, 2006

 

Homens de “boa-consciência”

O País está a transbordar de homens de “boa-consciência”. Um deles, como seria de esperar, é Valentim Loureiro. Pertence aos chamados grandes rostos do Portugal de hoje.

Noticia-se, hoje, que este “Homem da Bola” ou, como também lhe chamam “dono da bola”, numa conferência de imprensa, muito concorrida (onde passou por vários estados de espírito, desde o tom inflamado com que abordou as "jogadas de bastidores" para pressionar a sua demissão até à emoção da despedida, vertendo lágrimas) afirmou, peremptoriamente, estar de "consciência tranquila".


Ora, convém analisar bem a “consciência” para compreender a sua “tranquilidade”, como juiz de comportamentos. E, para isso, nada melhor do que percorrer os ensinamentos dos filósofos.

Segundo Hegel, a consciência está cheia de contradições, dividida entre o puro dever e o fazer impuro. Só o saber reconhecer erros pode redimir a consciência das suas imperfeições.


Nietzsche viu na consciência a “voz do rebanho” e fez notar que muitas vezes a consciência não é outra coisa senão a “voz da vizinha”.

Karl Marx , quase sempre abominado pelos homens de “boa-consciência”, fez saber que a consciência não é pura, uma vez que reflecte os interesses da cultura dominante.

Aristóteles identificou a consciência com a “recta razão”. Mas isso, hoje, também já não faz sentido. As geometrias não-euclidianas, como as de Lobatchevsky, Rieman e outras vieram demonstrar que há vários modelos lógicos e, assim, desmoronou-se a ideia de uma única racionalidade depositária dos primeiros princípios fundamentadores não só do conhecimento como da própria consciência. Não há mais a razão ou a consciência (singular e unívoca) mas as razões ou consciências (plurais e segundo modelos ou pontos de vista de conveniência).

Por último, o sociólogo Max Weber, numa conferência na Universidade de Munique (1917), defendeu que a ética da convicção e a ética da responsabilidade são inseparáveis. No seu entender, a consciência deve ser avaliada pelos seus frutos, pelas consequências das acções que orientou e não o contrário. Ou seja, sempre que ouvimos invocar a consciência para justificar comportamentos, o melhor é metermos a mão ao bolso interior do casaco para verificar se com a consciência tranquila não nos levaram a carteira.

Como se vê, não é aconselhável aceitar a invocação da consciência para justificar comportamentos

Talvez, por isso, tenha razão o ditado popular: “ninguém é juiz em causa própria” ou, então, “elogio em boca própria é vitupério”.



Comments:
"Tentai apreender a vossa consciência e sondai-a. Vereis que está vazia, só encontrareis nela o futuro" - Jean Paul Sartre.

A ser assim, podemos estar tranquilos. E ele também.
Ou o vazio será motivo de preocupação? Bem me parecia que sim...
ln
 
O que diz Sarte (suponho em "O ser e o nada")é que a consciência nada é sem os outros. Somos "ser-com-os-outros" e a consciência "em-si" é vazia. A intencionalidade vem-lhe de fora e não de dentro como pensa, de certa forma, a fenomenologia. "Ser" para Sartre é manifestar-se e nesse manifestar-se reside a nossa maneira de estar-com-os-outros --"ex-istir". Fora da comunidade de esistentes não sabemos quem somos. "Não há consciências avulsas", também diz numa outra passagem.
 
Cada vez mais gosto de passar por aqui. Respira-se filosofia. Matéria difícil, complexa...é verdade!
Por isso, não interferi na sua retórica ao Sócrates. Ficou-me, porém, a dúvida: a pergunta destinava-se a qual deles? :-)

O excerto é de "Situações I", mas o conteúdo é aquele que deixou. Eu quis, apenas, meter-me com o Major!! Ele que fique descansado. Deus (lá voltamos nós ao Deus que o Primo não tem a certeza se existe) tarda mas não falta!!

ln
 
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Do que mais gosto nos blogs é do debate.

Estou velhinho e já localizo mal as citações.

A questão que coloquei foi ao verdadeiro Sócrates, o velhinho. O outro, o que entra pela nossa casa dentro á hora do almoço e do jantar, não consegue dar respostas: só sabe olhar para o espelho e dizer "quanto sou belo".É mais uma espécie de Alice no país das maravilhas. E quem assim se acha,nunca se conhecerá a si mesmo.E no "conhece-te a ti mesmo" está o primeiro princípio de todas as respostas.

Amanhã vou à caça. Uma paixão de há muitos anos, do tempo em que caminhava pelas fraldas do Marão acompahado dos meus tios e do meu pai.

Ortega dizia que há uma diferença entre ocupação e trabalho. O trabalho exercemo-lo com sofrimento, a ocupação com prazer. A caça é a minha ocupação: aproxima-me das raizes, quase dos australopitecos; mas se pudesse voltava a dar vida às perdizes. É por necessidade de concluir o tabalho da minha perdigueira português que atiro às perdizes.
Infelizmente, vou sozinho. Os meus parceiros vão-me deixando: uns por doença, outros pela lei da vida.
 
Velhinho com apenas 63 anos?
Vá lá, não me faça rir.

Olhe, eu não sou nem poderia ser uma espécie de Alice no país das maravilhas - a natureza assim quis que eu não tivesse motivos para sê-lo. :-)
E pior ainda: "não me conheço a mim mesma". Difícil, essa tarefa!! Mesmo quando julgo que me conheço... descubro que estava enganada!!
Por isso, não tenho respostas...


Mas tenho um desejo: passe um BOM dia de Domingo e tenha uma excelente ocupação. Espero que seja proveitosa. E faça todo o cuidado, que mesmo todo é pouco.

ln
(ps: posso perdir-lhe um favor? Não volte a falar de si do modo como o fez.)
 
Chovia que Deus a dava. Regressei, mas de tarde ainda sou capaz de voltar até à serra da abobereira.

Obrigado pela sua simpatia. Não sei se nos conhecemos. Iamgino que não!
 
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Já cheguei! Apanhei uma grande molhadela e mais nada.

Deixe-me continuar o diálogo: a propósito do “conhece-te a ti mesmo” devo dizer-lhe que está no bom caminho. Sócrates defendia que a sabedoria nascia da consciência da ignorância. Quem julga saber tudo (como os sofistas do nosso tempo e do tempo de Sócrates) só tem prosápia, fala do que não conhece. Segundo Sócrates, para organizarmos racionalmente o saber, temos de nos libertar de ideias feitas, que não foram trabalhadas por nós mesmos. E o princípio para trabalhar uma ideia é a capacidade de no interior de nós mesmos descobrirmos que, p.ex, a ideia de bom só configura o bem, quando o que eu quero que seja bom possa ser bom para toda a gente. Sabemos que esse processo indutivo influenciou mais tarde os imperativos categóricos de Kant. Ora, a ignorância dos sofistas daquele tempo e do nosso é a ausência de capacidade para percepcionar o erro, pois estão convencidos da sua verdade (usam muito «isto é assim…») e não são capazes de duvidar para se abrirem ao universal, isto é,interiormente saltarem do particular ao universal, do ponto de vista pessoal ao ponto de vista de todos. Se nos lembrarmos que a epistemologia diz-nos, hoje, que o conhecimento não avança de verdade em verdade, mas, pelo contrário, de ruptura em ruptura, progredindo pela descoberta do erro (que reside sempre ao nível de uma crença subjectiva, embora seja tida como um “dado científico”), compreendemos bem o alcance da máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”. Por isso, repito, o meu ou minha amigo(a) está no bom caminho. O País (do Sócrates que nos governa)é que talvez não caminhe para as maravilhas que uma simpática "Alice" gostaria de ter!
 
Só agora que "contornou" o nome com aspas é que me dou conta de como Alice podia ter sido uma excelente opção. Mas não. Sou mesmo ln, no feminino, e com minúsculas porquê nem no nome tenho a mania das grandezas.
No bom caminho, Caro primo? Esse é o meu maior problema: o quê (e qual)é o bom caminho? Como saber que estou nele? Só dúvidas, não metódicas, naturalmente. Mas nem sempre é assim. Tenho dias. Hoje, estou cansada. E vou ter dois dias muito preenchidos e ocupados, ou melhor, seguindo a distinção que fez em cima: 2 dias com muito trabalho.
Preciso de ir descansar. Mas terei muito gosto em voltar aqui, noutro dia, falar consigo sobre o conhecimento do "eu e do outro". Registo, contudo, que está a reincide em duas ideias: na existência de Deus [embora eu tenha dúvidas se a chuva lhe foi mesmo dada por Ele - ao que parece a ciência explica muito bem esses fenómenos :-)]e uma persistência em saber ou conhecer o que é o mau, distinguir o mal/bem!
Começamos logo pelas matérias mais complexas? Tenho direito a uma iniciação mais suave e simples?
ln
 
Sartre e Ortega estão nas suas citações. E se eles foram sempre á frente na reflexão, o que poderemos nós acrescentar?!...

As ideias orientaram sempre a vida. E as ideias dominantes são, hoje, aquelas que os media transmitem. As novas respostas poderiam vir da critica das ideias que nos dominam. É a critica (crivo) que faz separar o que nos é imposto do que é nosso, pensado por nós. Mas o espirito critico, o pensamento autónomo, cada vez é mais penalizado-- domina a lógica do rebanho, como diria Nietzsche. Da própria filosofia desapareceram os filósofos sistemáticos.
 
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