domingo, março 19, 2006

 

Reinventar um novo paradigma

Há situações em que os nossos conceitos e as nossas próprias certezas já não funcionam. Parece que o mundo em que vivemos já não é o nosso mundo. É como se falássemos em alhos e entendessem bugalhos.
Os psicólogos foram os primeiros a explicar esta situação. Segundo a gestaltheoria, não vemos as coisas como elas são, mas como anteriores vivências ou aprendizagens nos “ensinaram” a ver. É a partir de um conjunto de ideias que moldam a nossa concepção de vida, dos outros e do mundo que interpretamos a realidade, asseguramos certezas, orientamos desejos e damos sentido às acções. Wittgenstein designou esse “modo de ver” ou sistema de crenças por paradigma. E explicou que «um paradigma tem um papel análogo a um par de óculos com certas características (cor, graduação) que leva a ver as coisas de uma determinada maneira coligada com uma forma de actuar». Mas, logo que um modo de ver, aceite por uma determinada sociedade, não corresponde às expectativas que criou, surge uma crise de esperança que só é ultrapassada, quando um outro paradigma substitui o anterior. Assim aconteceu com a substituição do paradigma teocêntrico que dominou a Idade Média pelo paradigma antropocêntrico que marca a modernidade. Foi assim que o homem anónimo ou de linhagem, colocado ao serviço de Deus no trabalho do campo ou da especulação teórica, deu lugar a um homem activo, que “ousa servir-se da razão” para partilhar com outros homens as melhores ideias para construir um mundo mais justo e humano. Foi a modernidade que configurou os “óculos” com que a minha geração, a geração que fez a festa do 25 de Abril, via o mundo. Pensávamos os partidos como um espaço ideológico de debater a melhor forma de organizar a sociedade e acreditávamos que a democracia era o regime que fazia dos cidadãos protagonistas da construção de um mundo mais justo. Tudo isto foi desaparecendo por uma imensa vaga de utilitarismo pragmatista que retirou o homem do centro do mundo e cavou o descrédito das instituições e dos seus líderes. E este vazio é tão profundo que nos tolhe o desafio de pensarmos criticamente esta desilusão. Mas sem a crítica da desilusão não é possível reinventar um novo paradigma que dê esperança ao nosso Futuro. E isso é urgente.
JBM.

Obs: Durante cerca de oito anos o autor desta crónica escreveu (sem qualquer gratificação) quinzenalmente no JN na coluna "educação e cidadania". Sem mais, o autor soube pelo telefone que esta crónica já não seria publicada. Uma estranha despedida.

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