domingo, fevereiro 19, 2006

 

Caricaturas imprudentes


Na sua coluna quinzenal, "Educação e cidadania" escreve J.B.M, hoje, no JN:

"Numa sociedade laica e que desvaloriza as religiões, dificilmente se compreende que um protesto contra a publicação de caricaturas de Maomé possa desencadear uma espiral de violência. Percebe-se, por isso, que muitos vejam nessa reacção um confronto entre as democracias ocidentais e o fundamentalismo islâmico. Os primeiros interessados nesta leitura serão, naturalmente, os israelitas. Mas, quem defenda o diálogo intercultural e a paz entre os povos terá de analisar friamente este problema.

Estamos todos de acordo que a liberdade de imprensa é um valor fundamental, mas não pode ser o “vale-tudo”. Há valores que a limitam e que também fazem parte da cultura democrática: por exemplo, os constrangimentos de ordem deontológica, o segredo de justiça e os deveres de confidencialidade. Todos estes valores são também importantes: servem o direito à justiça, o respeito pela dignidade humana, estimulam de relações de confiança entre pessoas e povos, garantem o direito à diferença e os chamados direitos pessoais (privacidade, intimidade, etc.). Além disso, temos de distinguir o “cartoon” com humor, que diverte e não ofende, do que escarnece e fere. A caricatura de Maomé com um turbante-bomba estigmatiza como terroristas todos os que professam a fé no profeta. E isso é uma provocação para crentes que vivem em situação de pobreza extrema e vêem na religião o único sentido para a vida. Acresce que as caricaturas de Maomé não surgem por acaso. Convém recordar que a direita que ganhou o poder na Dinamarca trouxe para o debate público a questão dos valores dinamarqueses e fez aprovar legislação humilhante para as minorias étnicas, como acontece com a chamada “lei dos 24 anos” que interdita aos imigrantes, com menos de 24 anos, a vida conjugal. É neste contexto de xenofobia e racismo que surgem as caricaturas. Não representam a liberdade de imprensa, mas o preconceito etnocentrico de escarnecer de uma crença e generalizar o terrorismo ao mundo islâmico.
Não podemos repudiar a violência sem nos demarcarmos da falta de bom senso promovido pelas caricaturas. É lamentável que, em nome do valor da liberdade, tenha sido despoletada uma espécie de guerra santa, que apenas serve os interesses da Al-Qaeda.


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